Coluna do Macário Batista para 23 de outubro de 2024


O registro sumiu? Por que área de Jeri (CE) tinha dona e nem o estado sabia
Em 1997, o estado do Ceará deu início a um processo de regularização fundiária das áreas ocupadas na Vila de Jeri, no município de Jijoca de Jericoacoara. Imaginava-se que ali seria um local abandonado, sem dono. No dia 8 de outubro daquele ano, o estado abriu uma matrícula no Cartório de Registro de Imóveis de Acaraú em um processo chamado de arrecadação sumária de terras. Naquela hora, o estado afirma que procurou por possíveis proprietários no cartório, mas não achou dono. O processo seguia em paz até que, em julho de 2023, uma empresária se apresentou ao estado como dona de cerca de 80% de onde está hoje a vila de Jeri e seus hotéis, bares, restaurantes... todos foram pegos de surpresa.Após uma averiguação documental, o governo cearense confirmou que havia sobreposição de imóveis, e que Iracema Correia São Tiago era a dona, sim, da área reivindicada desde 2007. Para evitar problemas sobre a posse de quem está no local há décadas, o estado fechou um acordo para que ela abrisse mão das áreas com matrículas registradas e ficasse apenas com aquelas ainda desocupadas (4,2 hectares ou 42 mil m²). Mulher virou dona de terras após divórcio As terras de Iracema foram adquiridas e registradas no cartório de Acaraú, em janeiro de 1983, por José Maria de Morais Machado, seu ex-marido. Segundo a escritura pública, foram três matrículas regularizadas e inseridas no Certificado de Cadastro de Imóvel Rural. Em 1995, essas terras foram transferidas para o nome de Iracema em razão de seu divórcio e partilha de bens. A averbação em cartório dessas terras foi feita em 2003, como mostra registro público. Segundo a defesa, Iracema só soube que a área foi arrecadada pelo estado em 2022 durante litígio com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para pedir uma indenização por desapropriação de parte da área para criação do Parque Nacional de Jericoacoara. Ela move ação na Justiça Federal desde 2017, sem desfecho. A arrecadação de uma área ocorre em terrenos identificados pelo poder público como abandonados. Com essa modalidade de aquisição, o estado arrecada essa posse de áreas classificadas como de interesse social. Foi o que ocorreu em Jeri. Nesse procedimento de arrecadação de terras, o estado incorpora formalmente ao seu patrimônio os imóveis que não sejam de domínio particular, ou seja, imóveis sem registro algum em cartórios. É um procedimento administrativo. Felipe Braga Albuquerque, professor do Departamento de Direito Público da Faculdade de Direito da UFC . Mas, segundo o Código Civil, ao destinar posse das áreas arrecadadas a terceiros, o estado ressalta que, caso um dono apareça. Para Arthur Toledo, advogado especialista em direito imobiliário, todo o problema nasce em 1997, quando o estado deveria ter se certificado se aquela terra a ser arrecadada teria dono. Caberia ao Estado realizar uma pesquisa nos cartórios de imóveis para identificar se há, no âmbito da suposta 'terra devoluta', algum imóvel com registro. Como não temos acesso ao procedimento de 1997, pode-se dizer que o estado errou conscientemente ou inconscientemente.Arthur Toledo. Terras devolutas, explica, são imóveis em que não há a indicação de quem seja o proprietário. Em regra, elas pertencem ao estado da federação em que estiver situada. Excepcionalmente será de propriedade da União Federal apenas se forem indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações e construções militares; das vias federais de comunicação e à preservação ambiental.Arthur Toledo. Arthur diz que o processo de aquisição por arrecadação é comum no país. "Se houver o 'abandono' do bem imóvel pelo proprietário, e não houver sucessores, pode haver a entrega da propriedade para um ente público. A ideia é impedir que existam bem imóveis vazios, desocupados, sem que seja dada utilidade econômica", relata. Em nota, o Idace (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará) informou que, durante o processo de arrecadação, na década de 1990, no Cartório de Registro de Imóveis de Acaraú "não foram localizadas matrículas de propriedades inseridas na poligonal correspondente às terras arrecadadas.".
A frase: Desleixo?
Mesmo sem a identificação de certidões de titularidade à época, o Governo do Ceará, como em todos os processos de arrecadação públicos, inseriu uma ressalva na matrícula correspondente à área. Essa ressalva estabelece que, caso surgisse um proprietário com documentação legítima que comprove a propriedade de um imóvel dentro da poligonal, com registro anterior à arrecadação estadual, o Estado reconheceria esse direito, excluindo a área da matrícula pública.
O chão de Jeri, tem dono? (nota da foto)
Idace-Sem "dono", terra foi arrecadada
Sem achar dono, o estado então registrou a área sob número 2.338 do Cartório de Registro de Imóveis de Acaraú (depois virou matrícula nº 1.102 do Cartório de Jijoca de Jericoacoara).Ao todo, a matrícula possuía 88,2 hectares. Desse total, após a análise do governo, viu-se que 73,5 . Dessa área, porém, a PGE chegou a um acordo em que Iracema abriu mão das áreas que já estão ocupadas e aceitou ficar apenas com as que não tivessem ainda sido repassadas. Além da área da vila, os terrenos de Iracema se sobrepõem também à área do Parque Nacional de Jericoacoara, gerido pelo ICMBio. No ofício de julho de 2023, em que informa o estado do erro na aquisição por arrecadação, a proprietária alega que sempre os donos sempre "usaram e gozaram do imóvel, bem como cumpriram com diversas obrigações perante o INCRA, estando devidamente inscrito no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais" Em 2007, por uma reorganização burocrática dos serviços de cartórios no Ceará, esses terrenos saíram do cartório de registros de Acaraú e passaram para o de Jijoca de Jericoacoara, dando origem a outras três novas matrículas: 542, 543 e 545.
É certo que a arrecadação sumária apenas pode ocorrer quando comprovada a ausência de propriedade particular, de uma situação constituída sobre a área a ser arrecadada, sendo indiscutível no caso que a arrecadação promovida pelo Estado do Ceará invadiu/apropriou propriedade particular devidamente registrada. Ofício de Iracema ao Idace, em julho de 2023. A reportagem não conseguiu identificar quem seria o responsável pelo cartório de Acaraú (CE) nos anos 1990 opara entrar em contato.(Com Carlos Madeiro)
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João Batista Gomes Neto

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