Coluna do Macário Batista para 26 de fevereiro de 2025

Opinião dos outros

“Vocês, brasileiros, sabem tudo”
Texto: Cristina Fontenele *Cristina Fontenele é escritora brasileira, com especialização em Escrita e Criação. Autora de "Um Lugar para Si - reflexões sobre lugar, memória e pertencimento”, além de jornalista e publicitária. Escreve crônicas há quinze anos e, como típica cearense, ama uma rede e cuscuz com café bem quentinho.
Estava a caminho do ginásio quando uma senhora me interpelou na rua e perguntou onde ficava determinado endereço. Abri o Google Maps para situarmo-nos no espaço e orientei a direção: “É logo ali, segue reto até a esquina, depois vira à esquerda e caminha até encontrar o número 56.”. Ao que ela, de pronto, respondeu: “Vocês, brasileiros, sabem tudo! Muito obrigada.”. Segui para meus exercícios pensando o que significava aquela frase. O comentário foi uma espécie de medalha no peito a enaltecer a ideia de povo que sempre encontra uma solução? No caso, o mérito foi do aplicativo, mas é bom, de vez em quando, regozijar-se com o que seriam os aspectos admiráveis de uma cultura. Nem só de “jeitinho” vive nossa gente. Não raro vemos nas redes sociais as célebres frases: “O brasileiro precisa ser estudado” ou “Agora a NASA vem”, como indicativo de criatividade e invencionismo. Rimos acreditando não ser nada fora do normal, porque nascemos com esse comando do “te vira” (uns mais, outros menos). Ao sair do país, olhando sob a perspectiva do migrante, de quem procura a força das próprias raízes, essa característica vira motivo de orgulho. Somos referenciados como povo empreendedor, engenhoso e inovador. Podemos incluir tais qualidades no currículo? Ao emigrar, segue conosco a pátria como sobrenome (apelido, como se diz em Portugal). A escritora brasileira, a cabeleireira do Brasil, o amigo da brasileira, aquela rapariga do Brasil. Para além do nome e da profissão, o país de origem virá como alcunha (apelido, como se diz no Brasil): “Ow brazuca, percebeste o que eu disse?”. Brasileiros isto, brasileiros aquilo, a dimensão da nossa nacionalidade nos precede como uma espécie de crachá que nos identifica antes mesmo de iniciarmos uma fala.
A frase: "O mundo não está interessado em quais temporais você já viveu. Ele quer saber mesmo se você trouxe o guarda-chuva". Te cuida!!!
Conversa animada
Assisti outro dia ao trecho de uma entrevista do Marcelo Tas com Maria Fernanda Cândido, no qual o apresentador perguntou se a atriz ficou “afrancesada” após viver em Paris. Fernanda foi enfática na negativa e revelou que morar fora a deixou muito mais brasileira, porque foi a partir dessa experiência que pode se entender e reconhecer como tal. “O que somos nós? Quem sou eu? O que me define? (...) Quando a gente tem a possibilidade de olhar com distância, é que a gente consegue se enxergar.”, respondeu a atriz.
A distância reveladora
O processo de distanciamento pode ser revelador, promove descolamento e reencontro. Quando estamos imersos em um contexto, a percepção pode ser parcial. Ser brasileiro em outro país, viver em outro ambiente e interações, evidencia traços pessoais e coletivos de forma mais consciente como, por exemplo, a fala, o ritmo, o gestual, o humor, a vestimenta, os hábitos.
Quem sou eu?
Uma colega baiana também observou o mesmo. Ela mora em Lisboa há três anos e explica que vive a dualidade de se perceber mais brasileira depois de imigrar e ao mesmo tempo querer ser menos, para conseguir se adaptar e sobreviver. Transita entre os polos do mais e do menos para regular o melhor funcionamento no outro território.
Marca registrada
“Fora da ilha, eu vejo que brasileiros se reconhecem em qualquer lugar do mundo. Na questão cultural, no jeito de levar a vida, lidar com as pessoas e com as dificuldades, como se não tivesse nada de novo nos perrengues que passamos aqui.”, avalia a colega. Nesse ponto, a resiliência da brasilidade seria um fator benéfico para a nova vida.
Aprendendo a solidão
Entretanto, a baiana receia tornar-se uma pessoa que ela denomina de “fria-europeia”, uma vez que tem aprendido a lidar bem com a solidão do imigrante mais do que imaginava. E com isso, estaria perdendo a necessidade do lado social mais ativo, comum à dinâmica brasileira? “Eu percebo que a aproximação com os amigos, que tornam-se família aqui, é fruto da carência do que tivemos ou não tivemos no Brasil.”, reflete.
Somos únicos
Na minha vivência, tenho compreendido que imigrar é, sobretudo, dar conta de si mesmo, abraçar coragens e debilidades. Uma caminhada individual, às vezes em companhia, às vezes apenas conosco. E nessa trilha, cabe a nós adotarmos ou não o sobrenome de “brasileira”, “brasileiro” como sinônimo de graça, força e resistência.

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