Neymar fora da copa: houve crime?
LUIZ FLÁVIO GOMES, jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.
Estou no professorLFG.com.br e no twitter: @professorlfg
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Meus
amigos: do ponto de vista do direito penal não há nenhuma dúvida de que
o lateral colombiano Zúñiga, com sua atrabiliária entrada, gerou risco
proibido e cometeu formalmente o delito de lesão corporal de natureza
grave (grave porque Neymar ficará mais de 30 dias impossibilitado para
suas atividades esportivas). Pode ter havido dolo direto (intenção
inequívoca de lesar), dolo eventual (assumiu o risco de produzir o
resultado), culpa consciente (previu o resultado, mas não o queria) ou
culpa inconsciente (nem sequer previu o resultado).
De
qualquer modo, tratou-se inequivocamente da geração de um risco
proibido (e, portanto, ilícito). Quando um jogador disputa a bola e vai
na bola, estamos diante de um risco permitido (isso está permitido pelas
regras do jogo). Quando o jogador não vai na bola, sim, somente no
corpo do outro atleta, surge o chamado (por Roxin) risco proibido. O
risco proibido gera formalmente um ilícito. O ilícito pode ser
desportivo ou criminal. O ilícito desportivo constitui formalmente um
crime (no caso do Neymar, lesão corporal grave). Mas isso não significa
automaticamente a incidência do direito penal. Por quê?
Nos
eventos esportivos, mesmo quando há um fato formalmente criminoso
decorrente da geração de um risco proibido (jogada não permitida pelo
esporte, como a mordida de Suarez ou a fratura causada por Zúñiga), por
que o jogador não é preso em flagrante?
Não
se prende em flagrante o jogador (que, normalmente, nem sequer responde
a um processo criminal) em virtude de um relevante princípio do direito
penal: o da subsidiariedade, que é expressão da intervenção mínima do
direito penal. Quando outros ramos do direito cuidam do assunto e é
suficiente, o direito penal fica afastado (visto que ele só pode
intervir minimamente, em último caso).
Há uma expressão latina que bem expressa isso: ultima ratio,
isto é, o direito penal é o último instrumento do qual temos que nos
valer para punir aqueles que se desviam das condutas esperadas,
infringindo as normas. Se o direito desportivo é suficiente, fica
eliminado o direito penal. Essa lógica é frequente no futebol: se uma
advertência é suficiente, o árbitro evita o cartão amarelo; se este é
suficiente, posterga-se o vermelho; se as sanções desportivas são
suficientes, afasta-se o direito penal.
É
isso que explica a razão pela qual Suarez não foi processado
criminalmente (foi, no entanto, punido pela Fifa, que também deve punir
Zúñiga). Enquanto as sanções da Fifa (nos casos dos ilícitos ocorridos
durante uma partida de futebol, dentro do gramado) são suficientes,
deixa de incidir o direito penal. Diga-se de passagem, as sanções da
Fifa não são suaves e, ademais, são normalmente rápidas (ela trabalha
com a certeza do castigo, algo que não acontece com o direito penal, que
é demorado e bastante falível). Lamentamos a perda do nosso craque, mas
temos que cuidar das nossas emoções, que muitas vezes fazem pó da
razão. Na internet já eclodiu o desejo de justiçamento (vingança contra o
jogador e sua família). É assim que começam muitos linchamentos (como
foi o caso de Fabiane Maria de Jesus, em Guarujá). E linchamento é a
negação da civilidade que nós, brasileiros, demonstramos frente aos
estrangeiros durante esta Copa do Mundo.