MARCELO E EDUARDO NO PAÍS DE MORO
A notícia
de que Marcelo Odebrecht teria, no longo processo a que está sendo
submetido, protestado inocência e recusado bravamente o fechamento de um
suposto acordo de delação premiada, contestando até mesmo a posição de
seus advogados, além de discutir com procuradores, que finalmente teriam
comemorado entusiasticamente a quebra de sua admirável resistência
moral e psicológica, apenas reforça a convição - termo que está cada vez
mais em voga ultimamente - de que o que ocorreu no caso de Odebrecht e
de outros presos e empresas, não passa, em grande parte - para tempos
"excepcionais", medidas "excepcionais" - de pressão, de extorsão e de
tortura.
Para torturar uma pessoa nem sempre é
preciso pendurar seu corpo no pau-de-arara, ou dar-lhe um banho de
mangueira e choque elétrico, embora isso possa parecer incompreensível
para boa parte dos "cidadãos de bem" desta nossa cordial civilização
tropical, construída na base do massacre, do porrete, do tronco e da
chibata.
Sugiro ver um filme clássico de
Costa-Gravas, A Confissão, com Ives Montand e Simone Signoret - ambos
comunistas, diga-se de passagem - ou ler o livro homônimo de Artur e
Lise London, L'Aveu, sobre os processos stalinistas do final da década
de 1950.
O que está ocorrendo, aqui e agora, é o seguinte:
Tendo o sujeito ocupado algum cargo
público, ou feito negócios, de 2003 para cá, com o governo brasileiro ou
mesmo governos estrangeiros, e passando a pertencer, por conta disso, a
uma lista de "suspeitos" que, com quase que absoluta certeza, existe,
voltada para comprovar a existência de uma conspiração vermelha dirigida
a corromper, destruir e saquear a nação, e até mesmo países de outros
continentes, primeiro ele é acusado, antes mesmo de ser preso, de
envolvimento, na maioria das vezes indireto, com eventuais crimes ainda
em investigação.
Vejam que, aqui, a quantidade de
acusações é importante, mesmo que algumas delas sejam cruzadas, porque
aumenta a chance de autorização de prisão, ainda que alguns pedidos
venham a ser eventualmente recusados pelo Supremo Tribunal Federal.
Depois, o alvo é preso,
temporariamente, sem flagrante, com base em ilações frágeis, ou algum
pretexto isolado, por alguns dias.
Logo em seguida, com justificativas
vagas e subjetivas, como a da "manutenção da ordem pública" - quando se
trata de empresários e de ex-ministros e não de perigosos terroristas
javaneses treinados para lá da Bessarábia por radicais anarquistas
muçulmanos - transforma-se a sua prisão em preventiva, com duração
praticamente indeterminada.
E, se o sujeito finalmente não
aceitar, como Marcelo Odebrecht teve que fazer agora, depois de mais de
16 meses de aprisionamento kafquiano, as condições impostas pelos
procuradores - ou seja, se não vier a falar o que se exige dele - apesar
de condenado a quase 20 anos por imaginosas interpretações de
mensagens de celular e suposto "domínio do fato", ele ainda é ameaçado
de continuar preso indefinidamente, enquanto espera que o seu caso
chegue à segunda instância, da qual, se houver confirmação da sentença,
não haverá - como às portas do inferno - escapatória possível.
Alguém pode em sã consciência dizer
que qualquer delação ou informação que venha a se originar de métodos
como esses é voluntária ou moralmente legítima?
Como não é possível comprovar, na
maioria das vezes, que houve desvios - o dinheiro que foi efetivamente
para as contas pessoais de funcionários da Petrobras e de alguns
deputados não passa de algumas dezenas de milhões de dólares, e o que
foi para partidos políticos foi repassado como doação legal
perfeitamente registrada na Justiça Eleitoral à época - assim como
sempre ocorreu não apenas no governo do PT, mas desde o regime militar, e
para todos os principais partidos - para legitimar a fantasia de um
suposto escândalo de dezenas de bilhões de dólares, criam-se, também
com justificativas "preventivas" ou tão altamente subjetivas quanto a da
punição por supostos "danos morais coletivos", bloqueios e multas
bilionárias - a Odebrecht terá que pagar inimagináveis 7 bilhões de
reais - para dizer que a Lava-Jato estaria "recuperando" uma fortuna -
sem nenhuma consideração com as centenas de milhares de empregos,
investimentos, fornecedores, ações, projetos, programas, muitos deles
estratégicos, dessas empresas, que foram ou serão sabotados ou
inviabilizados com essa "punição" tão destrutiva quanto desmedida - para
que os procuradores, e, indiretamente, os juízes envolvidos, possam
posar de heróis para uma certa opinião pública, burra, manipulada e
hipócrita.
A diferença entre Marcelo Odebrecht e Eduardo Cunha são o caráter e as circunstâncias.
Enquanto o primeiro resisitiu, por
princípio, enquanto pôde, o segundo já entrou na cadeia negociando uma
delação premiada com a ilusão de sair pela porta seguinte.
O ex-presidente da Câmara dos
Deputados sabe, no final das contas, que o processo a que está sendo
submetido, não ele, mas o país, é político, e que esse processo está
sendo dirigido para um desfecho igualmente político, em 2018, e deverá
trabalhar para dar sua "voluntária" contribuição para isso, a serviço do
que quiserem ou deixarem subentender seus interrogadores.
A prisão de policiais legislativos,
por parte de agentes da polícia federal por ordem de um juiz de primeira
instância, com a absurda desculpa de terem feito - o que não é mais do
que sua obrigação - varreduras em defesa do sigilo da comunicação de
parlamentares eleitos por milhares de votos - já deixou claro o que até
as placas de mármore que recobrem os palácios de Brasília já deveriam
saber há tempos.
O grande réu da Operação Lava-Jato e de suas co-irmãs é a Política.
Não basta arrastar o Legislativo, o
Executivo e os partidos na lama, durante meses, perante a opinião
pública, com a cumplicidade de uma midia irresponsável, majoritariamente
parcial e seletiva.
É preciso desafiar abertamente, se
possível, diante das câmeras, o poder de deputados e senadores e
daqueles que ocupam cargos executivos aos quais se chega pelo voto
direto, secreto e obrigatório da maioria do povo brasileiro, para dizer
indiretamente à população que ela não sabe votar, que sua pseudo
autoridade, na verdade, não vale nada, e que ela deve se preparar para
aceitar ser tutelada por uma plutocracia iluminada que chegou ao poder
pela graça de Deus ou da caneta, por meio de indicação, no caso do TCU e
do STF, ou de concurso, no caso do Judiciário e do Ministério Público.
Os políticos eleitos demoraram tanto
para reagir, por burrice ou por medo, tantos estão sendo ideologica ou
interesseiramente cooptados para a alteração da lei, no sentido de
distorcer a Constituição e diminuir a l.iberdade e o amplo Direito de
Defesa, que, agora, por mais que esperneie, o Congresso, de tanto se
abaixar, já deixa entrever parte do traseiro, parcialmente protegido por
calças de veludo YSL ou Giorgio Armani.
Resta saber a quem beneficiará tudo isso, no fim - se fim houver - desses "tempos excepcionais" de que fala o juiz Moro.
Se a um aventureiro messiânico,
vingador e onipotente, com um raio e um martelo nos dois pratos da
balança da "justiça", com os olhos muito bem postos na busca obsessiva e
egocêntrica de cada vez mais poder e autoritarismo; ou se,
coletivamente, a uma casta de privilegiadíssimos funcionários, com um
padrão de vida muitíssimo superior ao dos comuns mortais, que busca se
assenhorear, na prática, da República, sem a presença ou a legitimização
do voto.
Nos dois casos, é mais fácil que se
favoreça, nesse processo, o aparecimento de um novo e perigoso tipo de
fascismo do que o fortalecimento da velha, e mesmo que defeituosa, sábia
e imprescindível senhora a que se costuma chamar Democracia.
A notícia de que Marcelo Odebrecht teria, no longo processo a que está sendo submetido, protestado inocência e recusado bravamente o fechamento de um suposto acordo de delação premiada, contestando até mesmo a posição de seus advogados, além de discutir com procuradores, que finalmente teriam comemorado entusiasticamente a quebra de sua admirável resistência moral e psicológica, apenas reforça a convição - termo que está cada vez mais em voga ultimamente - de que o que ocorreu no caso de Odebrecht e de outros presos e empresas, não passa, em grande parte - para tempos "excepcionais", medidas "excepcionais" - de pressão, de extorsão e de tortura.