Impossível não pensar na cena final
do filme Dr. Fantástico - (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop
Worrying and Love the Bomb) ao descobrir, no "day after" da eleição
norte-americana, que Donald Trump tinha sido eleito Presidente dos
Estados Unidos.
O filme, do diretor norte-americano
Stanley Kubrick, de 1964, aborda com humor e sarcasmo a Guerra Fria e a
possibilidade de um confronto nuclear, em um ano em que, por aqui,
sofríamos na carne a divisão do planeta; os EUA se envolviam cada vez
mais no Vietnã e em golpes sangrentos por todo o mundo; e a opinião
pública ocidental estava tomada pelo impacto da construção do Muro de
Berlim, e da então recente Crise dos Mísseis em Cuba.
O personagem que dá nome à obra é um
cientista "ex-nazista" (existem ex-nazistas?), preso à cadeira de
rodas, que, metaforicamente, se levanta dela no final da estória, em uma
representação da ressurreição do fascismo que cairia muito bem nos dias
de hoje, a começar pela própria eleição de Donald Trump.
O grande ator do filme é Peter Sellers, que faz três papéis, incluído o do Dr. Strangelove.
Mas a figura que mais se identifica -
até mesmo fisicamente - com o novo presidente eleito norte-americano,
é, com certeza, a do Major T.J. "King" Kong, interpretado pelo ator Slim
Pickens, que, como comandante da "fortaleza voadora", salta do avião no
final do filme, com um chapéu de cowboy, montado na bomba atômica como
se ela fosse um cavalo, em louca e frenética, apocalíptica, celebração
da destruição e da morte.
Já dissemos em um artigo anterior
sobre o tema, UM MALUCO NA CASA BRANCA, que Trump representa a ascensão
hipócrita da "antipolítica" - e do fascismo - ao topo do "establishment"
administrativo norte-americano, e, contra tudo e contra todos,
tornou-se uma espécie de símbolo para a extrema-direita do mundo
inteiro, a ponto de lideranças como Marine Le Pen, do Front National
francês, o terem saudado como o advento de um "novo tempo", e de
fascistas tupiniquins se manifestarem, ainda durante a campanha, em seu
favor, em plena Avenida Paulista, e contra a eleição de Hillary
Clinton, a quem chamaram de "Dilma norte-americana", para a Casa Branca.
Sem precisar de razões ancoradas na
realidade, ou de justificativa maior que "tornar a América grande de
novo", e a rejeição aos políticos "tradicionais", os eleitores
norte-americanos, e, principalmente os delegados dos "swing-states",
que, teoricamente, poderiam ser comprados por um candidato bilionário,
entregaram o poder a uma figura tão perigosa quanto controversa e
imprevisível.
A polícia (também como costuma
ocorrer em certos países) interferiu na campanha, a pouco mais de uma
semana da eleição, lançando acusações relacionadas a emails não
transcritos da candidata democrata, para depois negar, cinicamente, às
vésperas do pleito, que algum indício de crime estivesse relacionado ao
caso.
Seria interessante saber por que o Chefe do FBI, James Comey, que é republicano, resolveu fazer esse desmentido na última hora.
Em política, tudo é uma questão de timing.
Feito o estrago contra Hillary, em
uma campanha em que ela (como ocorreu também com outros personagens em
certos países) foi tachada de corrupta sem nenhuma evidência jurídica
que apoiasse essa acusação, o que aumentou o ódio - e a mobilização -
dos eleitores de Trump em uma nação em que o voto não é obrigatório;
talvez tenha sido preciso inocentar Hillary no último momento, não
apenas para evitar acusações futuras de decisiva interferência no
pleito, mas também para diminuir o ímpeto de seus eleitores, dando-lhes a
certeza de que Trump certamente perderia, evitando que eles se
esforçassem mais para comparecer em massa às urnas, para votar na
candidata democrata.
Agora, será preciso esperar, para
ver o que vai ocorrer com os EUA, e, também, com o mundo, nos próximos
quatro anos, com Donald Trump na Casa Branca.
Teoricamente, ele é muito mais radical do que a candidata democrata, agora derrotada.
Mas foi ela, como Secretária de
Estado, responsável pelas relações exteriores, que endossou, ou melhor,
promoveu, no primeiro mandato de Obama, alguns dos maiores erros
cometidos pelos EUA, em matéria de política externa, nos últimos anos.
O seu apoio à malfadada e mentirosa
"primavera" árabe, com a derrubada de Khadafi - e o seu assassinato por
terroristas apoiados pelos EUA - a queda do governo no Egito, que levou
os militares de volta ao poder naquele país, com a implementação de uma
ditadura de fato, depois de uma eleição controversa; o maior
envolvimento dos EUA no Iraque e as suas tentativas frustradas de
derrubar o Presidente sírio Bachar Al Assad, ajudaram a criar um monstro
chamado Exército Islâmico, destruíram países estáveis levando-os a
horripilantes guerras civis, e causaram centenas de milhares de mortes,
principalmente de velhos, mulheres e crianças, levando à crise dos
refugiados, que obrigou milhões de pessoas a deixar os seus países para
encontrar a morte nas águas do Mediterrâneo, ou enfrentar um destino
amargo e incerto, em países como a Turquia, ou em uma Europa que não os
quer, que neles vê um estorvo e um perigo, e que os tratará como
animais, discriminando- os por sua cor e sua cultura.
Trump, paradoxalmente, parece se dar
bem com regimes de força, como o chinês e até mesmo com os russos,
principalmente Putin, a quem parece admirar pela sua personalidade forte
e - quem sabe - seu físico de atleta.
Resta saber se isso não vai mudar
depois que ele se sentar, com o seu queixo erguido e seu topete postiço,
na cadeira mais poderosa do planeta, tendo, ao alcance de sua mão, os
códigos para ordenar um ataque nuclear que poderia dar início ao
Armagedon.
Nesse
caso, com um Presidente na Casa Branca com uma trajetória menos
previsível que a de um asteróide gigante dirigindo-se para a Terra, só
podemos rezar e pedir, já que os eleitores norte-americanos não o
fizeram, que Deus nos ajude, a nós e a nossos filhos e netos, nos
próximos anos. ]
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.