Imagem do Roberto Bulhões
Pela memória do Santo Padre Cicero Romão Batista, "servo de Deus".
Povos indígenas tiveram protagonismo durante apresentação de pesquisa sobre pertencimento divulgada pelo Grupo de Trabalho do Ceará em fevereiro de 2024
Na data em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, os povos originários que habitam a região cearense disputada pelo estado vizinho reforçam a importância da relação dos indígenas com o território em que vivem e reivindicam continuar pertencendo ao Ceará. Na etnia Tabajara, por exemplo, há prova documental de que o sentimento de pertencimento ao Ceará é secular, de acordo com Carta Régia datada de 1721.
O inteiro teor do documento do século XVIII já integra a defesa cearense no processo da Ação Cível Originária nº 1831 que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). A Carta Régia de 1721 estabelece que a Serra da Ibiapaba seria destinada aos indígenas da etnia Tabajara, como resposta ao claro sentimento de pertencimento.
Os autores da nota técnica divulgada em 5 de abril pelo Grupo de Trabalho do Ceará que atua na defesa no processo de litígio analisam que essa carta régia delineia a posse cearense sobre toda a Serra da Ibiapaba e também atesta a identidade territorial e cultural dos habitantes com o território, enraizada em séculos de história e tradição.
Existem duas aldeias indígenas dentro da área de litígio reconhecidas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai): Cajueiro (Poranga) e Nazário (Crateús). As aldeias contam com mais de 50 famílias que representam as etnias indígenas Tabajara e Kalabaça, com histórias culturais únicas e vinculadas ao território cearense, de acordo com a Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará (Sepin).
O secretário-executivo da Sepin, Jorge Tabajara, destaca a importância dessa causa para os moradores da aldeia Cajueiro, na área do município de Poranga, disputada pelo Piauí. “Como indígena Tabajara, da aldeia Cajueiro; e atual Secretário-Executivo da Secretaria dos Povos Indígenas do Ceará, tenho buscado, em todos os lugares e instâncias, reafirmar a nossa ancestralidade; a nossa originalidade e o nosso pertencimento ao Estado do Ceará”, justifica. O secretário-executivo da Sepin avalia também que uma eventual mudança para o Piauí prejudicaria todo o processo pelo reconhecimento do território indígena da Aldeia Cajueiro, que já tramita nos órgãos competentes, como a Funai.
“É importante, ainda, que se faça a oitiva do nosso povo! Iremos, inclusive, até as instâncias internacionais, se for preciso, para defender o nosso direito de permanecer no território que sempre, desde de muito tempo, soubemos ser do Estado do Ceará”, reivindica Jorge Tabajara. A Constituição Federal estabelece que os direitos dos indígenas sobre suas terras são definidos como “direitos originários”, isto é, anteriores à criação do próprio Estado e que levam em conta o histórico de dominação da época da colonização.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes ao Censo Demográfico de 2022, há pelo menos 56.732 pessoas indígenas residentes no Ceará, das quais 7070 (12,46%) estão nos 13 municípios cearenses envolvidos no litígio. O GT do Ceará identificou, ainda, que há outras aldeias que ficam próximas à região disputada. Entre elas estão Gameleira (São Benedito), Umburana (Poranga), Mambira (Crateús), Cacheado (Crateús) e Realejo (Crateús).
No âmbito do Censo Demográfico 2022, o IBGE esclarece que se definiu como indígena a pessoa residente em localidades indígenas que se declarou indígena pelo quesito de cor ou raça ou pelo quesito se considera indígena; ou a pessoa residente fora das localidades indígenas que se declarou indígena no quesito de cor ou raça. São consideradas localidades indígenas aquelas que compõem o conjunto das Terras Indígenas, dos agrupamentos indígenas e das demais áreas de conhecida ou potencial ocupação indígena.
O conjunto de Terras Indígenas Oficialmente Delimitadas é composto pelas declaradas, homologadas, regularizadas ou encaminhadas como Reservas Indígenas até 31 de julho de 2022, data de referência da pesquisa, conforme os dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI.
No Ceará, a Secretaria dos Povos Indígenas foi criada em fevereiro de 2023. A Sepin tem a missão de assessorar diretamente o Chefe do Executivo na formulação de políticas e diretrizes voltadas à proteção dos direitos dos povos indígenas, preservando-os de ações prejudiciais à cultura e ao pertencimento territorial, contribuindo institucionalmente com a demarcação, a defesa, o usufruto exclusivo e a gestão das terras e dos territórios indígenas, além de zelar pelo cumprimento dos acordos e tratados internacionais, quando relacionados aos povos indígenas.
Os povos indígenas no Ceará contam, ainda, com 39 unidades de ensino que asseguram a matrícula de 8.397 alunos, distribuídos da educação infantil ao ensino médio. A Educação Escolar indígena é uma modalidade da educação básica que garante às comunidades e povos indígenas a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências, bem como o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas.
Escola indígena onde estudam moradores da aldeia Cajueiro, no município cearense de Poranga
A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) desenvolve ações de apoio à implementação da Educação Escolar Indígena para as etnias presentes no estado, contribuindo para a afirmação dos povos indígenas do Ceará, garantindo-lhes o direito à escola, aprendizagem, aos conhecimentos universais e àqueles que fortaleçam suas identidades étnicas e de sua pluralidade cultural. A formação dos profissionais e lideranças das comunidades em que essas escolas se localizam têm como foco a transformação de suas realidades, valorizando dimensões sociais, culturais, ambientais e econômicas, que vão interferir na aprendizagem dos estudantes.
Em março de 2024, o governador Elmano de Freitas divulgou o resultado do Concurso para Professores com lotação em Escolas Indígenas da rede pública estadual de ensino do Ceará. Serão 155 professores e professoras indígenas que, em breve, vão atuar como servidores estaduais pelas etnias Anacé; Gavião; Jenipapo-Kanindé; Kalabaça; Kanindé; Kariri; Pitaguary; Potyguara; Tabajara; Tapeba; Tapuya Kariri; Tubiba Tapuya; Tupinambá e Tremembé.
O governador determinou a formação de um Grupo de Trabalho (GT) multidisciplinar para atuar na defesa cearense em relação ao litígio entre os estados em março de 2023. A coordenação desse grupo é da Procuradoria-Geral do Estado (PGE). Também fazem parte do grupo representantes da Controladoria e Ouvidoria Geral do Estado (CGE), da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), da Fundação Universidade Estadual do Ceará (Funece), do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), do Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace), da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) e da Superintendência do Meio Ambiente do Ceará (Semace).
O processo da ACO nº 1831 tem como relatora a ministra Cármen Lúcia. A defesa do Ceará no processo baseia-se na análise técnica de documentos e de mapas históricos que comprovam a posse do território ao Ceará e também em outras importantes variáveis relacionadas ao direito da população que habita os municípios cearenses envolvidos na disputa. Esses argumentos já foram apresentados ao Supremo Tribunal Federal e ao Exército.
O Piauí ajuizou a ACO nº 1831 no Supremo Tribunal Federal em 2011 pleiteando áreas de 13 municípios cearenses, totalizando quase três mil quilômetros quadrados (km²). As cidades cearenses e as respectivas áreas pleiteadas no litígio são: Poranga (66,3%), Croatá (32,4%), Tianguá (20,9%), Guaraciaba do Norte (19,7%), Ipueiras (19,2%), Carnaubal (16,7%), Ubajara (15,8%), Ibiapina (14,5%), São Benedito (13,5%), Ipaporanga (7,7%), Crateús (6,1%), Viçosa do Ceará (5,7%) e Granja (1,7%)
Izolda Cela