Profissionais da educação básica irão atuar no total de 30 escolas em 12 municípios do Ceará
A diversidade dos cocares e a força das vozes indígenas marcaram a emocionante e histórica posse de 146 aprovados no primeiro concurso para professores das Escolas Indígenas do Ceará. A solenidade foi realizada nesta quarta-feira (31), no Palácio da Abolição, em Fortaleza. Estiveram presentes o governador Elmano de Freitas; as secretárias Eliana Estrela, da Educação, e Juliana Alves, dos Povos Indígenas; além de lideranças indígenas e outras autoridades. Os professores empossados serão recebidos no total de 30 unidades de ensino em 12 municípios, contemplando as etnias Anacé, Gavião, Jenipapo Kanindé, Kalabaça, Kanindé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tabajara, Tapeba, Tubiba Tapuia, Tapuya Kariri e Tremembé. Os profissionais vão atuar a partir do início do segundo semestre letivo de 2024.
Empossado, Elber Anacé, de 28 anos, leciona há dez anos em Caucaia. Ele fez questão de estar de mãos dadas com a mãe, Edna Anacé, nesse novo momento. “Os povos tradicionais têm uma especificidade de seus costumes, portanto, estar dentro da escola faz parte da nossa disciplina. Ter uma conquista como esse concurso fortifica demais não somente a educação indígena, mas também o movimento indígena”, defendeu o pedagogo.
Para Edna, a conquista coletiva representa visibilidade. “Somos indígenas. O indígena é excluído, mas nós temos garra. Esse menino [Elber] nunca desiste, sempre corre atrás. Eu sempre estarei ao lado dele, e a educação é o caminho”.
Emocionado, o governador Elmano de Freitas disse que a posse é um marco para o reconhecimento desses povos no Ceará, valorizando suas identidades e demandas, como a educação indígena e a demarcação de terras. “Nós temos um número muito significativo de professores das escolas indígenas [cerca de 800], hoje estamos empossando 146. Portanto, vamos precisar fazer mais concurso para professores indígenas no Ceará. Nós temos que acelerar a conquista de direitos”.
A presença indígena no Ceará avança fazendo da educação um caminho de resistência. A Educação Escolar Indígena, portanto, garante aos indígenas, suas comunidades e povos a recuperação de suas memórias históricas, reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências, bem como o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas.
Para fortalecer essa modalidade de ensino na educação básica cearense, o Governo do Ceará ofertou 200 vagas no primeiro concurso para escolas indígenas. O certame foi realizado em outubro de 2023, por meio da Comissão Executiva de Vestibulares da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Ao todo, foram 155 aprovações. Desse total, nove aprovados pediram reclassificação.
As vagas compreendem nível de Ensino Fundamental Anos Iniciais (1º ao 5º), nível de Ensino Fundamental Anos Finais (6º ao 9º) e Ensino Médio. A remuneração do cargo de professor, Nível C (inicial da carreira), é de R$ R$6.465,09 para a carga horária de 40 horas semanais, acrescido de auxílio alimentação no valor de R$ 15,87 por dia útil trabalhado.
Também empossada, Cleidiane Tremembé é professora há 19 anos na Escola Indígena Brolhos da Terra, situada na terra Tremembé da Barra do Mundaú, em Itapipoca. A história de Cleidiane está entrelaçada à luta pela educação indígena no estado. “Essa conquista foi uma trajetória feita a muitas mãos, cada um com sua sabedoria. Muita gente que nem ler sabia, era analfabeto ao olho do homem branco. Mas nós chegamos aqui. Esse dia histórico é, sobretudo, para dizer que nós podemos, sim. Estamos fazendo e vamos construir uma educação indígena diferenciada, qualificada”, enfatizou Cleidiane.
É fundamental assegurar profissionais indígenas em espaços como a escola, por exemplo, para fazer desses lugares uma extensão do que se aprende, também, no chão do terreiro, junto aos saberes ancestrais. É o que aponta a mestra da cultura do Ceará e liderança do Povo Tapeba de Caucaia, a pajé Raimunda Tapeba, 79.
“Eu nasci dentro de uma aldeia que não tinha escola, mas ouvi as histórias dos pajés, caciques, que repassaram a cultura, tradição, ciência. Tudo isso eu aprendi e repasso até hoje nas escolas. Os professores que hoje estão lá ensinam a ler, mas também repassam essas histórias e a cultura. Eu, como pajé, tenho dever de me reunir com professores e alunos. Na escola do branco, eles têm tudo, e agora nós indígenas temos também”, pontua.
A rede pública estadual é constituída de 43 escolas indígenas, com o atendimento de 8.399 alunos. Das 43 escolas, quatro foram criadas em 2024. São as Escolas Indígenas Anacé Joaquim da Rocha Franco, em Caucaia, Cultura Viva e Ybi Pirang, em Monsenhor Tabosa, e Escola Indígena da Aldeia do Cajueiro, em Poranga.
Eliana Estrela, titular da Secretaria da Educação (Seduc), ressalta que a pasta está em constante diálogo para aprimorar o acesso à educação indígena. “Construímos o edital [do concurso] junto às etnias, dentro da legalidade, olhando também para os saberes dos povos indígenas. Muitos deles já atuam nas escolas, agora é efetivar a lotação”.
O objetivo é garantir ainda a melhoria da infraestrutura escolar. Para isso, Seduc e dos Povos Indígenas (Sepin) estão fazendo estudos. “Temos um planejamento com essas demandas, que são demandas trazidas pela organização de professores e pelos povos indígenas. Estamos elaborando esse planejamento para que a gente possa ter uma atuação mais presente nesses espaços. Ressaltamos essa conquista do concurso, mas é importante dar esse olhar tanto para as estruturas, quanto para o aparato que esses profissionais precisam para poder lecionar”, completou a secretária da Sepin, Juliana Alves.
Presente na solenidade, Antônia Kanindé, natural de Aratuba, também celebra a conquista dos parentes – termo que indígenas usam em referência à história e ancestralidade que compartilham. Ela, que cursou a educação básica na Escola Indígena Manoel Francisco dos Santos, evidencia o lugar da memória social para que o ensino seja diferenciado.
“As nossas salas de aula foram por muito tempo pés de mangueira. Foi nesse espaço, sagrado para nossa ancestralidade, que muitos professores e troncos velhos [indígenas anciãos] iniciaram seus processos educativos. Processos esses que viabilizaram, depois, a construção de escolas. Espaços que possibilitaram um ensino e educação diferenciada. Espaços esses que me formaram”, conclui.
Antônia Kanindé é museóloga pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Atualmente, ela faz mestrado em Antropologia pela Universidade Federal do Ceará, em parceria com a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), e atua como orientadora de Defesa e Promoção da Sepin.
Texto da Assessoria de Imprensa do Governo do Ceará