Fígado ainda é acusado, injustamente, de causar ressaca
Conheça alguns mitos e verdades sobre o fígado26 fotos
O
fígado abastece o corpo quando ficamos em jejum. VERDADE: o fígado tem
reservas de glicose, que é o combustível das nossas células. "A glicose
gera a nossa energia", explica o hepatologista Raymundo Paraná. A
cirurgiã Liliana Ducatti detalha que o fígado armazena glicose em forma
de glicogênio e, numa situação de jejum prolongado, este é liberado para
suprir o organismo Getty Images/iStockphoto /Arte UOL
Já faz parte da crença popular culpar o fígado pelos sintomas de
embriaguez ou ressaca, quando na verdade isso se deve mais aos efeitos
do álcool sobre o cérebro e o restante do aparelho digestivo.
"A ressaca pode acontecer sem que o fígado esteja agredido. Trata-se de um mal-estar causado pelo efeito anticolinérgic
o (inibe a produção de acetilcolina, substância química que atua como neurotransmissor) do
álcool associado à desidratação. Um produto do metabolismo do álcool
gerado no fígado, o acetaldeido (que é mais tóxico que o próprio álcool)
explica em parte esses sintomas", afirma o hepatologista Raymundo
Paraná, professor da Universidade Federal da Bahia.
A cirurgiã
Liliana Ducatti, da equipe de transplante de fígado e órgãos do aparelho
digestivo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
(Universidade de São Paulo), afirma que o excesso de metabólitos do
álcool causa, entre outras coisas, a desidratação.
"Por isso é
importante tomar bastante água. Se sabe que terá uma festa e vai beber
no dia seguinte, tome isotônico um dia antes. Ou, na hora, para cada
taça de álcool, tome duas de água", ensina a hepatologista Mônica Viana,
do Hospital do Servidor Público de São Paulo e do instituto que leva
seu nome.
Da mesma forma, medicamentos à base de alcachofra
fazem bem, mas não porque irão atuar no fígado, como se acredita, mas
porque facilitam a digestão: "Alcachofra diminui o colesterol, mas
afirmar que os alimentos amargos ajudam o fígado não tem nenhum
fundamento", completa Viana.
O maior
O
fígado não só é a maior glândula como também o segundo maior órgão do
corpo humano, perdendo apenas para a pele. Está localizado sob o
diafragma e pesa entre 1,3 kg a 1,5 kg em um homem adulto. Já nas
mulheres seu peso é um pouco menor e, nos pequenos, é proporcionalmente
maior, já que constitui 1/20 do peso total de um recém-nascido. É um
órgão tão grande em crianças, na primeira infância, que pode ser sentido
abaixo da margem inferior das costelas.
Ele funciona tanto
como glândula exócrina, liberando secreções num sistema de canais que se
abrem numa superfície externa, como glândula endócrina, já que também
libera substâncias no sangue ou nos vasos linfáticos. Além disso,
realiza aproximadamente 220 funções diferentes, todas interligadas e
correlacionadas.
Entenda o caminho do álcool pelo corpo e por que a ressaca aparece no dia seguinte
Sua atividade principal e mais conhecida é a formação e excreção da
bile - fluido que se armazena na vesícula biliar e atua na digestão de
gorduras e na absorção de substâncias nutritivas da dieta. As células
hepáticas produzem em torno de 1,5 litro de bile por dia.
O
fígado também pode ser considerado um gerador de energia para o corpo.
Isso porque produz calor, participando da regulação do volume sanguíneo,
proporciona uma ação antitóxica importante, processando e eliminando os
elementos nocivos de bebidas alcoólicas e gorduras, entre outros. Além
de tudo disso, tem um papel vital no processo de absorção de alimentos.
Não conseguiríamos viver sem este órgão, responsável por tantas funções.
Cuidado com chás
Alguns itens que parecem inofensivos, se consumidos com frequência,
podem causar um tremendo prejuízo ao fígado. Os chás com supostos
efeitos terapêuticos, por exemplo. "A maioria deles não é estudada em
ensaios de fase três (que comprovam os efeitos). Sem esses estudos não
podemos conhecer a sua eficácia nem a sua segurança. Além disso, não há
padronização de dose, nem mesmo controle sobre as sustâncias que
acompanham o princípio ativo de uma planta. A ideia de que o natural faz
bem é completamente falsa e obedece a um interesse de mercado", afirma
Raymundo Paraná.
Segundo o médico, alguns chás que podem causar
danos ao fígado são picão preto (carrapicho), sacaca, cáscara-sagrada,
espinheira-santa, confrei, erva-mãe-boa, sene e poejo. "Melhor optar por
chá de erva-cidreira ou erva-doce. Já tive um paciente que ficou na UTI
por causa de excesso de chá verde. Melhor ainda é tomar água", alerta
Viana.
Dieta desintoxicante Quando o
assunto é a famosa dieta desintoxicante, todos os profissionais são
totalmente contra. "Esta é uma situação absurda de ataque à boa fé das
pessoas, são modismos para ganhar dinheiro às custas da ingenuidade
alheia. Infelizmente, este tipo de prática está cada vez mais comum no
Brasil", afirma Paraná.
"Toda dieta bem equilibrada faz bem
para o fígado como para todo o organismo, mas não existe alimento
milagroso que faça desintoxicação", afirma Ducatti.
Viana
recomenda cuidado com este tema: "Isso porque vive surgindo alguma
maluquice 'do momento'. O chá verde que citei é um exemplo. Nada melhor
para desintoxicar que água!".
O fígado e a melancolia
Mais uma crença popular, e não só no Brasil: a de que a bile produzida
pelo fígado é a origem da depressão e da melancolia. Aliás, o termo
melancolia nasceu da união de duas palavras gregas: melanós (negro) e
cholé (bile).
"Na Grécia antiga se tinha esta crença. Como a
bile é amarga, acreditava-se que o fígado purgava o amargor da vida,
portanto seria responsável pelo humor. Hoje sabemos que não é nada
disso", diz Paraná. Ducatti completa, afirmando que as alterações do
nosso humor estão ligadas ao funcionamento do cérebro e seus
neurotransmissores.
Já Viana admite que vê diferença nos
pacientes: "Cuidado com a mágoa! Quanto mais a pessoa estiver magoada,
mais lesionado ficará seu fígado, mas isso não tem base científica
nenhuma. É algo que eu noto no consultório!"
Prometeu e o fígado na mitologia grega
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Há várias versões sobre o mito de Prometeu, considerado um herói da
mitologia grega. Seu nome, na língua grega, significa "premeditação". E
este era o dom deste titã, que possuía a arte de maquinar
antecipadamente seus planos, com a intenção de enganar os deuses
olímpicos.
Foi atribuído a Prometeu e a seu irmão, Epimeteu, a
criação da raça humana e dos animais. Feitos de barro (terra e água), os
humanos receberam dele o sopro divino com o ar.
Após Zeus
tornar-se o "deus de deuses", ele se impôs aos homens, fazendo valer sua
supremacia divina. E, para ele, o fogo, símbolo do espírito criador,
pertencia somente aos deuses.
Prometeu, com pena dos homens,
resolveu roubar uma faísca do fogo do Olimpo e dá-la aos humanos, que,
assim, poderiam cozinhar, aquecer-se e criar armas, entre tantas outras
utilidades.
O dom da imortalidade de Prometeu não o impediu de
se aproximar demais de sua criação, a humanidade, à qual concedeu o
poder de pensar e raciocinar.
Certa vez, Prometeu matou um boi e
o fatiou em pedaços. Dessas lascas, a parte maior continha somente
gordura e ossos, enquanto a menor, com a carne, estava reservada.
Prometeu tentou oferecer a parte mínima para os deuses, mas Zeus, já
enciumado, não aceitou, pois, claro, desejava o pedaço maior. Prometeu o
atendeu, mas ao se dar conta de que havia sido iludido, Zeus se
enfureceu e retirou dos humanos o domínio do fogo.
Foi aí que
Prometeu, mais uma vez desejando ajudar a humanidade, roubou o fogo do
Olimpo. Uma outra versão justifica este ato como forma de obter, para os
humanos, um elemento que lhes garantiria a necessária supremacia sobre
os demais seres vivos.
O fato é que Zeus decidiu punir
Prometeu. Assim, ordenou ao ferreiro Hefesto que o prendesse em
correntes junto ao alto do monte Cáucaso durante 30 mil anos, período no
qual ele seria diariamente bicado por uma águia, a qual lhe destruiria o
fígado. Como Prometeu era imortal, seu órgão voltava ao normal, e o
ciclo destrutivo se reiniciava a cada dia.
Zeus havia
determinado que só daria liberdade a Prometeu em troca de outro ser
imortal. Como o centauro Quíron havia sido atingido por uma flecha, e
seu ferimento não tinha cura, ele estava condenado a sofrer eternamente
dores lancinantes. Assim, Zeus aceitou substituir Prometeu e lhe
permitiu tornar-se mortal.
- Fonte: Autores diversos
Gordura e açúcar
A transformação de glicose em glicogênio, forma de armazenamento de
açúcares nas células animais, e seu armazenamento, se dá nas células
hepáticas. Ligada a este processo, há a regulação e a organização de
proteínas e gorduras em estruturas químicas utilizáveis pelo organismo
da concentração dos aminoácidos no sangue, que resulta na conversão de
glicose que é utilizada pelo organismo no seu metabolismo.
Nesse processo, o subproduto resulta em ureia (substância presente em
nosso organismo que age na função do sistema renal), que é eliminada
pelo rim. Em paralelo, existe a elaboração da albumina (proteína
presente no plasma sanguíneo) e do fibrinogênio (proteína específica do
sangue e representa um papel fundamental na coagulação).
E os
alimentos gordurosos seriam muito prejudiciais ao fígado? Para Raymundo
Paraná, a gordura faz mal ao organismo como um todo, mas não
especificamente ao fígado. Ducatti alerta que esse tipo de alimentação
pode gerar uma inflamação, a chamada esteatose hepática.
"Pior
ainda é o açúcar. Eu sempre falo para meus pacientes que doce é pior que
picanha. A pessoa está triste? Como doce! Brigou com o namorado? Come
chocolate. Falam que carne faz mal, mas se comer fraldinha ou filé
mignon, sem gordura e com parcimônia, não tem problema", diz Viana.
E não é para pensar que gordura no fígado é privilégio apenas de quem
está acima do peso. Magros também podem ter o fígado recheado de
gordura. Paraná conta que há pacientes magros com dislipidemia (presença
de níveis elevados ou anormais de lipídios e/ou lipoproteínas no
sangue) ou resistência à insulina de origem genética e que podem ter
gordura no fígado de forma semelhante a dos obesos.
"Sim,
pessoas magras podem ter gordura no fígado, especialmente diabéticos que
nem sabem que têm a doença", diz Viana. Ela frisa que a pessoa precisa
fazer o exame para verificar o colesterol e triglicérides com 12 horas
de jejum, mas que muitos laboratórios deixam o paciente esperando e
horas a mais causam diagnósticos errados.
Regeneração
O fígado é um órgão realmente especial e entre suas diferenças em
relação aos demais está sua capacidade de se regenerar. É o único órgão
de mamíferos capaz de se regenerar. No caso de uma cirurgia ou mesmo da
doação de parte dele, em um transplante, por exemplo.
O homem já
conhece essa fascinante capacidade desde a antiguidade. A mitologia
grega, por exemplo, conta que o titã Prometeu, ao criar o homem, lhes
deu o fogo, que era algo exclusivo dos deuses, tornando-o superior a
todos animais. Como castigo, foi condenado por Zeus, o deus do Olimpo, a
passar a eternidade acorrentado a uma rocha, sofrendo o ataque de uma
águia que lhe devorava o fígado todos os dias. Um castigo que já trazia a
ideia de que o órgão pode se regenerar.
Segundo a cirurgiã
Liliana Ducatti, o fígado se regenera e chega ao tamanho habitual, mas
cresce em massa, não exatamente como era. Ela exemplifica: se retiramos o
lobo direito, extraímos muitas vezes a veia e a artéria direitas. Este
fígado que ficou com lobo esquerdo vai crescer até ficar com o tamanho
habitual, mas não irá criar um "novo lobo direito". Também não terá mais
a veia e a artéria direitas, que foram retiradas; será um fígado de
tamanho tradicional, mas somente com os vasos esquerdos. "Porém, se o
peso do fígado que permaneceu for adequado à pessoa, o órgão realizará
suas funções normalmente".
O coordenador de transplantes do
Hospital Israelita Albert Einstein, Marcelo Bruno de Rezende, conta que
tudo depende da compatibilidade do peso e do tipo sanguíneo. "Podemos
dividir um fígado adulto e fazer dois transplantes. Ou transplantar um
fígado infantil num adulto. O órgão tem de pesar 1% do peso da pessoa.
Assim, um adulto de 70 quilos precisará de um fígado de no mínimo 700
gramas. Hoje temos 15 doares para cada milhão de habitantes. A meta é
chegar a 20, pois muitos ainda morrem na fila".
"Não me canso
de falar que o Brasil é o país que faz o melhor transplante de fígado do
mundo. O problema é a espera. São dois a três anos na fila. O melhor é
que o transplante seja feito de um órgão que venha de um doador cadáver e
que não seja um transplante intervivos, pois o doador nunca sabe o que
pode ocorrer no futuro. Precisamos aumentar a campanha de doação de
órgãos", ensina a hepatologista Monica Viana, dizendo que o ideal é
avisar aos familiares que se é um doador.