Maconha legal enfrenta obstáculos nos EUA
ISABEL FLECK
ENVIADA ESPECIAL A DENVER (COLORADO)
Considerado um laboratório para qualquer lugar no mundo em que a
legalização do comércio da maconha esteja em debate, o Colorado já
experimenta as dificuldades do novo ramo de negócios.
Desde 1º de janeiro, o Estado é o primeiro nos EUA a vender legalmente a
droga para uso recreativo -Washington, que também aprovou a medida,
deve iniciar a venda no fim deste semestre.
Mas o negócio que deve movimentar US$ 578 milhões (R$ 1,4 bi) e gerar
até US$ 67 milhões (R$ 159,5 mi) em impostos no Colorado neste ano
enfrenta obstáculos que vão da proibição do uso em público à transação
comercial.
Empresários estimam que 60% dos consumidores sejam de fora do Colorado
-10% estrangeiros. A única exigência para a compra é ser maior de 21
anos, tendo um documento válido que comprove isso.
Mas a facilidade acaba aí. Como a lei só permite que a maconha seja
fumada em locais privados, o turista se vê sem opção legal de consumo.
Bares e cafés -mesmo os que aceitam o uso de tabaco- não admitem
maconha. Nas ruas, ela também é proibida, e os hotéis têm orientado
funcionários a não permitirem que os hóspedes fumem.
"As pessoas ficam surpresas quando pedimos para apagar o baseado. Acham
que o Colorado virou Amsterdã", diz Amanda Krunic, atendente de um pub
em Denver.
O pequeno empresário de Vancouver (Canadá) que se identifica apenas como
Bill, 48, tentava, na última terça, achar um modo de consumir os cinco
gramas que acabara de comprar. "A solução vai ser fumar na rua, de forma
bem discreta", disse à
Folha.
A pena a quem fuma em lugar público pode ser multa de US$ 100 (R$ 236)
ou até 15 dias de detenção. Na primeira semana, porém, não houve
fiscalização ostensiva.
"O governo não está interessado em prender quem fuma. Além disso, há
cooperação geral entre quem consome para que a experiência dê certo
aqui", diz Paul Vismara, gerente do bar Falling Rock.
Outro empecilho é a forma de pagamento. Como os bancos são submetidos à
lei federal -que proíbe transações com empresas que lidam com
"substâncias controladas"-, toda a comercialização tem que ser feita em
dinheiro.
O problema é ainda maior para as grandes fornecedoras, que passaram a
investir em segurança, com medo da exposição. "Antes não tínhamos
guardas armados na porta. Agora, não dá para prescindir deles", afirma
Elan Nelson, da Medicine Man.
"O sistema precisa ser mais eficiente, especialmente diante da alta
demanda. A questão do pagamento tem sido nosso principal problema" diz
Mike Farlew, um dos donos da Patients Choice, que produz cerca de 115 kg
de maconha por mês.
SEM ESTOQUE
Se o sistema ainda precisa se adaptar, as empresas também já perceberam
não estar preparadas para a alta demanda. Na última semana, ao menos
três grandes lojas tiveram de fechar as portas para repor o estoque da
erva.
Outras limitaram ainda mais a venda -pela lei, moradores do Colorado podem comprar e portar 28g por vez, e turistas, só 7g.
"Não imaginávamos essa procura. Na primeira semana, recebemos uma média
de 350 clientes por dia. Antes, eram no máximo 40", diz David Martinez,
da 3D Cannabis Center, que reabriu as portas na última quarta após dois
dias fechada para reposição.
A empresa, assim como todas as outras 135 hoje autorizadas a vender o
produto para fins recreativos no Colorado, já trabalhava antes com a
venda para uso medicinal.
Pela lei local, 70% da erva vendida por uma empresa tem de ser de
produção própria, e toda a maconha vendida no Colorado precisa ser
cultivada no Estado.
Com isso, as empresas já planejam expandir suas estufas. Apesar de não
revelar o volume produzido, a Medicine Man prepara-se para duplicar o
espaço destinado ao plantio, para 3.800 m².
Elas também estão contratando mais. A Patients Choice, que há quatro
anos tinha 15 funcionários, hoje tem 60 e faz seleções para mais vagas. A
3D mais que duplicou o número de atendentes -de 7 para 17- no último
mês.
Para o diretor de comunicação do Marijuana Policy Project, Mason Tvert,
um dos principais lobistas pela aprovação da lei no Colorado, apesar dos
percalços, a adaptação ocorre de forma "excepcionalmente tranquila".
"A coisa está funcionando, só precisamos que todos entrem no ritmo",
disse. "Aos poucos, o Colorado mostra ao resto do mundo que regular a
maconha dá certo."