Informada em Roma sobre a
insurreição
que carcome sua coalizão partidária na Câmara, Dilma Rousseff teve duas
reações. Em privado, portou-se à moda Dilma. Sob refletores, camuflou a
irritação: “Acho que tem muito de especulação. E eu não vou, de fato,
me manifestar sobre especulação. Vamos ver o que acontece de fato.” Da
capital italiana, Dilma irá a Bruxelas, na Bélgica. Só retorna ao Brasil
na noite de segunda-feira. Na expectativa de que nada aconteça, ela
acionou o vice-presidente Michel Temer para tentar deter a junção dos
insurretos num bloco “independente”.
Coube à ministra Ideli
Salvati, suposta coordenadora política do Planalto, conversar com Temer.
Ela sugeriu a realização de uma grande reunião com os líderes
descontentes, no Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice. Coisa
para a própria segunda-feira, antes do retorno de Dilma. Temer respondeu
que, no exercício da Presidência da República, só coordenaria o
encontro mediante solicitação expressa da titular do cargo. Ideli
telefonou para a chefe, que a autorizou a dizer a Temer que estava de
acordo com a convocação da terapia grupal.
Na declaração feita em Roma —“tem muita
especulação”—,
Dilma pronunciou um vocábulo que traduz com perfeição o que ela pensa
sobre a movimentação dos insurretos da Câmara. Numa das acepções
anotadas no dicionário Houaiss,
especulador é “aquele que negocia
de má-fé, enganando os outros ou se aproveitando da necessidade alheia,
para obter lucros acima do aceitável.” Para Dilma, seus pseudoaliados
aproveitam-se da conjuntura eleitoral para fabricar um tumulto
legislativo que lhes proporcione dividendos políticos inaceitáveis.
Munida
da orientação de Dilma e da concordância de Temer, Ideli pôs-se a
convidar os líderes dos partidos rebelados para a reunião do Alvorada.
Ao farejar a movimentação da ministra, um dos líderes do blocão
ironizou: “Michel Temer deveria ser usado para construir pontes, mas só
lembram que ele existe na hora de apagar incêndios.” Outro
especulador
alfinetou: “Seria bom que o Aloizio Mercadante [chefe da Casa Civil]
comparecesse à reunião. Não é ele o novo coordenador político do
governo?”
Em verdade, o bombeiro Temer foi convocado porque, na
visão que se disseminou no eixo Brasília-Roma, foram os comandantes do
partido dele, o PMDB, que riscaram o fósforo. A presença do deputado
Eduardo Cunha, líder da bancada do PMDB, nos arredores da fogueira não
surpreendeu. Mas a presença do presidente da Câmara, o peemedebista
Henrique Eduardo Alves, na reunião em que o blocão dos rebeldes foi
concebido acendeu em Dilma um enorme incômodo. “Isso não combina com a
responsabilidade institucional do cargos que ele ocupa”, disse um
intérprete de Dilma no Legislativo.
A encrenca escancara o
paradoxo que envenena as relações de Dilma com seu condomínio partidário
a oito meses da eleição presidencial. Sob orientação de Lula, Dilma
utiliza sua reforma ministerial para trocar posições na Esplanada por
tempo de propaganda na televisão. Sem qualquer escrúpulo, prurido ou
reticência ética, ela forma não um gabinete dos melhores, mas dos
politicamente mais rentáveis. O problema é que, aos olhos dos seus
aliados, a presidente resolveu todas as pendências do PT e discrimina os
demais partidos.
Antes de decolar para Roma, Dilma teve uma conversa telefônica com Temer. Falaram de ministério. Ela
reiterou
uma oferta que o PMDB refugara há duas semanas. Os partidos que
frequentam a periferia da coalizão observam a cena e se perguntam: se o
sócio majoritário, o partido do vice-presidnete da República, é tratado
assim, que será dos outros? Vem daí o ambiente de salve-se quem puder
que se espraia pela Câmara.
Sob o argumento de que Dilma e o PT
monopolizam os bônus que a atividade governamental proporciona, os
aliados sustentam que não lhes resta senão fugir do ônus exercitando o
poder de que dispõem no plenário da Câmara para distribuir acenos ao
eleitorado. Como? Aprovando projetos que atendam às demandas de
corporações e, supostamente, da opinião pública —mesmo que o Planalto
considere tais propostas perdulárias e inconvenientes. No português das
urnas: a turma está mais preocupada com a própria reeleição do que com a
recondução de Dilma.
Ao acionar Temer, o Planalto espera que ele
consiga abortar a reunião que os líderes do blocão marcaram para
terça-feira, na casa de Eduardo Cunha, o mandachuva da bancada do PMDB.
Nesse encontro, os operadores da revolta parlamentar planejam esboçar a
pauta de votações do grupo. Por ora, o encontro está mantido. Mas a
movimentação do Planalto já produziu um fenda no blocão. Na noite desta
sexta-feira (21), o PSD soltou uma nota para informar que desistiu de
integrar a infantaria dos autoproclamados “independentes”.
Feliz
participante da reunião de quarta-feira, aquela em que o blocão foi
urdido, o líder do PSD, deputado Moreira Mendes (RO), foi, por assim
dizer, enquadrado por Gilberto Kassab, presidente nacional da legenda.
“É importante ressaltar que o PSD anunciou o apoio à reeleição e a sua
entrada na base parlamentar do governo federal sem condicioná-los a
nenhuma contrapartida ou exigência, mas, sim, por entender que, nesse
momento, a reeleição da presidente Dilma [...] é fundamental para o
Brasil…”, anota o texto, subscrito por Kassab e pelo próprio Moreira
Mendes.
A despeito da meia-volta, o documento do PSD ecoou a
insatisfação do condomínio ao realçar que as relações do Planalto com a
Câmara têm de ser “melhoradas e aperfeiçoadas”. Seja como for, o recuo
providenciado por Kassab produziu na tropa dos revoltosos 42 potenciais
baixas. Dimensionada em 290 votos, a infataria dos incomodados é
estimada agora em 248
especuladores. Ao longo da semana a plateia vai descobrir até onde vai a disposição do grupo de “se aproveitar da necessidade alheia.”