Como
acontece com toda união baseada apenas no interesse, o matrimônio do PT
com o PMDB resumiu-se ao patrimônio. A certidão de casamento é um
contrato de compra e venda. O PMDB de Michel Temer vendeu tempo de
propaganda eletrônica e estabilidade legislativa. Chamado a renovar o
contrato, reclama que o PT de Dilma Rousseff não paga o preço que sua
mercadoria vale.
De repente, os peemedebistas se deram conta de
que eram felizes sob Lula e não sabiam. Sem ter o vice, levavam uma vida
de amante argentina. Controlavam ministérios de alto valor
político-econômico. Sob Dilma, foram empurrados para a periferia da
Esplanada. Ganharam o Palácio do Jaburu, mas a residência oficial de
Temer tem vista para o Lago Paranoá, não para o Tesouro Nacional.
Tratado
a pão e água na mais recente reforma ministerial, o PMDB está no
noticiário, pela enésima vez, pleiteando, pedindo, querendo, fazendo
beicinho, ameaçando romper com o governo… Causará transtornos para Dilma
no Congresso. Mas tem dificuldades para levar a ameaça de divórcio às
últimas consequências.
A política é, por vezes, implacável.
Partido que ambiciona o poder pelo poder erra o alvo. Mas partido que
não ambiciona o poder vira o alvo. Há duas décadas sem lançar um
candidato à Presidência, o PMDB especializou-se no papel de gigante
subalterno. No momento, ocupa três poltronas na linha sucessória. Tem a
vice-presidência da República e as presidências da Câmara e do Senado.
Com
tanto poder aparente, o PMDB choraminga pelos cantos. Condenou-se a
receber um tratamento de mulher de malandro. Em Brasília, apanha de
Dilma. Nos Estados, enfrenta o quebra-quebra do PT. Em 2010, perdeu para
o petismo o título de “maior bancada” da Câmara. E receia sair de 2014
sem o pódio do Senado.
Se pudesse, o PMDB recorreria à Lei Maria
da Penha e fugiria da coligação. Mas para onde? Para uma candidatura
própria? Impossível. Faltam-lhe disposição e um candidato. Falta-lhe
sobretudo a resposta para uma pergunta inexorável: que ideias defende o
PMDB?
Sendo a favor de tudo e visceralmente contra qualquer coisa,
poderia aderir a Eduardo Campos, o presidenciável emergente do PSB. Mas
Marina Silva não deixa. Aécio Neves? Medido pelas pesquisas, o baú do
tucanato ainda é pequeno. E o PMDB guia-se pelo lema segundo o qual o
amor em política é coisa para amadores.
Autoconvertido em partido
com fins lucrativos, resta ao PMDB o recurso da ameaça. A legenda tem do
seu lado a história contemporânea. No Brasil pós-ditadura, todos os
presidentes que negligenciaram o PMDB deram-se mal. Adulada, a
agremiação fornece estabilidade congressual. Espancada, torna-se uma
força desestabilizadora.
Sob José Sarney, o ex-apoiador da
ditadura que se abrigou no PMDB para tornar-se vice de Tancredo Neves,
Ulysses Guimarães funcionou como presidente paralelo. Sob Collor, quando
o país descobriu que a prataria havia sumido, o presidente foi
escorraçado do Planalto. Não tinha do seu lado um PMDB para livrá-lo do
impeachment.
Sob a presidência-tampão de Itamar Franco, o PT
recusou apoio para o Plano Real. O PMDB apoiou. Nos seus dois mandatos,
FHC nomeou até Renan Calheiros para a pasta da Justiça. Mas aprovou o
que bem quis no Congresso. No seu primeiro reinado, Lula esnobou um
pedaço do PMDB. Deu no mensalão. No segundo reinado, Lula atraiu a ala
ligada a Temer, que apoiara José Serra em 2002.
A preferência pelo
papel de coadjuvante teve um custo estético para o PMDB. No passado,
quando ainda era chamado de MDB, o partido tinha a cara de Ulysses
Guimarães. Ficou com a fisionomia de Orestes Quércia. Ganhou o bigode de
José Sarney, a sobrancelha de Jader Barbalho, a calva de Renan
Calheiros… Hoje, tem a cara de Eduardo Cunha.
Num instante em que
PMDB e PT trocam ofensas —é “vagabundo” pra cá, é “chantagista” pra lá—
Temer e Lula tentam evitar uma crise maior entre seus respectivos
correligionários.
Considerando-se que o matrimônio virou um
patrimônio 100% lastreado no déficit público, isso pode ser muito ruim
para o país. Mas o contribuinte em dia com o fisco não deve perder as
esperanças. No momento, a indústria da intriga é a única que prospera em
Brasília.