Guerra do Brasil é na fronteira
Para agências de análise estratégica, o inimigo regional é o crime organizado
Depois de dois dias de chuva fina e neblina, finalmente
um sábado de sol, céu sem nuvens - os três aviões de ataque, Super
Tucanos, decolaram quase simultaneamente da base em Boa Vista, capital
de Roraima, dois deles levando duas bombas de 230 quilos. Monitorados
eletronicamente desde Manaus, distante 700 quilômetros, os turboélices
do Esquadrão Escorpião faziam um voo manso, ajustando as coordenadas do
alvo, a 218 km: uma faixa de terra rasgada no meio da selva; 300 metros
de extensão por 15 de largura que recebia, para pouso e decolagem,
aviões de traficantes de armas e drogas. Os A-29 da FAB entraram na
aproximação final a 1.200 metros e, no momento do lançamento, faziam um
mergulho a 600 metros. As bombas atingiram a pista a 550 km por hora,
abrindo crateras de 10 metros de diâmetro por 3,5 m de profundidade.
O terceiro Super Tucano do grupo registrou toda a operação - mas
tinha outra missão, mais delicada, de escolta armada, com metralhadoras
.50, durante o tempo de bombardeio. Havia a possibilidade de que os
quadrilheiros, cada vez mais ousados, disparassem contra os aviões
militares.
O plano de ação de guerra e o cuidado com a segurança são
justificados. A inteligência das Forças Armadas localizou em junho de
2013 ao menos 60 pistas irregulares, sete delas próximo das linhas de
fronteira com a Colômbia e o Peru. As gangues mantêm o tipo de
facilidades na Bolívia. O procedimento segue um padrão: pasta de coca e
outros produtos, os eletrônicos principalmente, são trocados por armas
ou apenas vendidos nesses pontos. Parada rápida e nova decolagem na
direção de conexões em países de vigilância frágil, como o Suriname, ao
norte.
A principal ameaça à segurança e defesa dos países da América Latina e
Caribe é o crime organizado de grande envergadura que envolve tráfico
de drogas, contrabando de armas e de componentes eletrônicos, sequestro e
a ação de piratas e dos traficantes de pessoas. Segundo o Instituto de
Estudos Estratégicos de Londres, o Brasil reage a essa situação. Mantém
as Forças Armadas mobilizadas e atua nas fronteiras com emprego de
tropas e equipamentos em condição de combate. Está preparando duas
grandes blindagens tecnológicas: o Sisfron, que deve fechar as
fronteiras, e o SisGAAZ, a rede que cobrirá o Atlântico na proporção de
4,5 milhões de km², equivalente ao território do oeste da Europa. Ambos
os sistemas serão feitos em etapas ao longo de dez anos e vão exigir,
conjuntamente, algo como R$ 20 bilhões.
Só nas sete Operações Ágata, realizadas de agosto de 2011 a junho de
2013, os efetivos empregados chegaram a 76 mil, inclusos aí os agentes
civis. O resultado: cerca 12 toneladas de drogas apreendidas, duas
pistas de pouso destruídas, armas e munições recolhidas em larga escala.
O inimigo, todavia, ganha poder. O
Estado teve
acesso a um documento do Conselho Nacional de Inteligência dos Estados
Unidos que destaca: as corporações criminosas como os Zetas, os
Cavaleiros Templários II e o Cartel de Jalisco Nova Geração - todos de
origem no México, mas com ramificações comprovadas na América Central -
estão adquirindo capacidades paramilitares.
Recebem bom treinamento de mercenários. Já seriam capazes de se
organizar em pelotões de 20 a 60 homens, ou em companhias de até 250
‘corazón hermanos’, chefiados pelo equivalente a um capitão. Combinados
com o grupo Mara Salvatrucha, de El Salvador, e o Comando Rojo, da
Guatemala, responsáveis por, talvez, mais 900 outras gangues associadas,
teriam um quadro estimado entre 70 mil e 200 mil militantes. "Eles
avançam inexoravelmente rumo à América do Sul, olhando os grandes
mercados, trabalhando como empresários, mas devastando tudo como
gafanhotos", analisa o pesquisador Martin Rames, da Universidade
Autônoma do México.
O professor Gunther Rudzit, especialista em segurança internacional e
coordenador das Faculdades Rio Branco, concorda: "A visão é em parte
correta, pois o poder desagregador e corruptivo do narcotráfico, por
exemplo, é muito grande - há necessidade de combatê-lo como principal
ameaça à segurança nacional". Gunther destaca o fato de "não haver duas
coalizões, uma de governos contra o crime, e outra, das organizações
marginais, se enfrentando".
É apenas questão de tempo, acredita o mexicano Rames: "O pior cenário
contempla a ascensão intencional de um governo proscrito, em um Estado
nacional vulnerável, facilitando atos ilícitos".
Piratas. O governo brasileiro considera pirataria os atos
cometidos em alto mar ou fora da jurisdição de um país. Os assaltos e
saques havidos na Amazônia e no litoral são tratados como crimes comuns.
Todavia, os "ratos d’água" preocupam o Comando da Marinha, que
reconhece ocorrências em localidades como Comunidade do Perpétuo
Socorro, em Manaus, Jesus Ressuscitado, no Careiro da Várzea, em São
José do Amatari e Nossa Senhora da Conceição, em Itacoatiara; nos
municípios de Santo Antonio do Içá e Coari, no Amazonas, além da região
dos Estreitos e Gurupá, no Pará.
Navios, aviões, helicópteros, tropas especializadas e ações conjuntas
de fiscalização participam de iniciativas de controle de área. A mais
recente, em fevereiro, mobilizou 30 mil militares durante seis dias -
fiscalizou 8.159 embarcações e apreendeu 239.