O PRÓXIMO GOLPE
(JB)
- Acionado o botão de “start” da balcanização e do esfacelamento da
Ucrânia - criando um novo problema para a Rússia em suas fronteiras que
Putin está enfrentando resolutamente – as atenções da direita
fundamentalista e do “establishment” militar e de “inteligência” dos
Estados Unidos voltam-se agora para a Venezuela.
Na semana
passada, o general John Kelly - não confundir com o Secretário de
Estado, John Kerry - a maior autoridade do Comando Sul das Forças
Armadas dos Estados Unidos, que abarca a América do Sul, Central e do
Caribe - compareceu ao Comitê de Assuntos Bélicos do Senado, em
Washington, para falar da crise na Venezuela.
Kelly
reconheceu que “não tem contato” com as Forças Armadas venezuelanas,
assegurou que “por hora” elas seguem fiéis ao governo Nicolás Maduro, e
sugeriu que, “provavelmente haja pressões, discussões e divergências
dentro das forças armadas da Venezuela sobre a situação do país”.
Além
disso, lembrou que até agora Maduro usou a polícia e não o exército
para controlar as manifestações, querendo dar a entender que o
Presidente da Venezuela não teria confiança em seus soldados - o que não
quer dizer absolutamente nada, já que, na Venezuela, como no Brasil, a
atribuição precípua das Forças Armadas é dedicar-se à defesa do país
contra seus inimigos externos.
O fato de um
general, e não um especialista civil, ou um diplomata, comparecer ao
Congresso, para opinar – como um vice-rei - a propósito da situação na
Venezuela, é indicativo de que a reativação da Quarta Frota
norte-americana corresponde, de fato, à retomada do comportamento
neocolonial dos EUA na América Latina.
Até mesmo um site, em
espanhol e em português – instrumento que o Ministério da Defesa
brasileiro ou o Conselho de Defesa da UNASUL já deveriam ter
implementado há tempos, voltados para o público militar - já foi
colocado no ar pelo Comando Sul, veiculando notícias elogiosas sobre
operações de polícias, exércitos e forças de segurança da América
Latina, como tentativa de aproximação e cooptação.
Ao colocar
um general para falar no Congresso, os golpistas da direita
norte-americana estão jogando verde para colher – e derrubar – Maduro,
dirigindo-se mais à Venezuela do que ao Legislativo dos EUA.
Ao
colocar em dúvida a confiança do presidente venezuelano nas suas forças
armadas, sua intenção é forçar Maduro a envolvê-las com o controle das
manifestações, para eventualmente provar sua lealdade – coisa que ele só
fará se for néscio ou em caso derradeiro.
Ao informar que
“até agora” as forças armadas venezuelanas são leais ao presidente
eleito, ele quer, telegraficamente, sugerir que, se houver golpistas
tentados a sublevar uma unidade, ou região, eles poderão contar com a
simpatia e o apoio dos EUA.
Os Estados Unidos apostam, e
torcem, há semanas - investindo firme em mídia - por rápida
“maidanização” de Caracas, que possa derrubar o governo eleito e
promover o caos e fragmentação do país, exatamente como ocorreu na
Ucrânia.
Uma virtual guerra civil na Venezuela, com a
mobilização dos mais pobres na defesa das conquistas sociais alcançadas
por Chavez nos últimos anos, atrairia o envolvimento das vizinhas FARC, e
indiretamente, até mesmo de Cuba, no conflito.
O governo
colombiano mobilizaria suas forças armadas para lutar contra as FARC em
território da Venezuela, com o apoio dos soldados e “instrutores” que se
encontram instalados, hoje, nas bases dos EUA na Colômbia.
Isso
abriria caminho para uma intervenção direta – e eventualmente
temporária - dos EUA na região, por meio da Quarta Frota, recentemente
reativada, e do próprio Comando Sul, comandado pelo próprio John Kelli.
Alguns
podem achar que Washington não estaria preparado política e
economicamente para entrar em um novo conflito. Para a direita
fundamentalista dos EUA isso é o que menos importa.Depois de
afastar a ameaça chavista, destruindo e balcanizando - como fez com o
Iraque - a Venezuela, os EUA poderiam se “retirar” do teatro de
operações, tendo atingido três grandes objetivos geopolíticos:Enfraquecer
ainda mais a economia de Cuba, que dependeria do apoio russo caso
quisesse apoiar Maduro; evitar que o petróleo venezuelano continue a ser
usado, no futuro, no apoio a países que não rezam pela cartilha dos
EUA; e inviabilizar ou atrasar, por décadas, o processo de união e de
integração do continente sul-americano, que tem sido - como se viu na
votação dos países da CELAC na última reunião da OEA - firme e
competentemente conduzido.
Os EUA, no entanto, se enganam.
Os estudantes venezuelanos querem reformas de Maduro, mas não entregar
seu país a uma oposição teleguiada pró-norte-americana.
Não
dá para aproveitar as condições da Venezuela para jogar etnia contra
etnia, como está ocorrendo na Ucrânia, com os tártaros, os russos e
ucranianos - ou em outros países recém “democratizados” pelos EUA, como
o Iraque, com sunitas, xiitas e curdos; ou no Egito, com cristãos,
cooptas e muçulmanos, por exemplo.
No golpe na Ucrânia,
existem indícios de que franco-atiradores armados, contratados pelos
próprios manifestantes de extrema-direita, atiraram contra a multidão,
para colocar a culpa no governo, e levar à derrubada de Yanukovitch.
A
mesma tática foi usada no último golpe na Venezuela, em 2002, quando se
tentou derrubar Chavez pela primeira vez, acusando falsamente chavistas
de terem atirado contra opositores.
O povo foi para a rua,
Chavez, que tinha sido preso, foi libertado, e os integrantes do novo
governo, em plena cerimônia de posse, pálidos de medo, tiveram que sair
correndo do Palácio Miraflores.
Sobre isso foi feito, por jornalistas irlandeses, um magnífico documentário, que pode ser visto no link
https://www.youtube.com/watch?v=MTui69j4XvQÉ
um trabalho extremamente didático sobre o que ocorreu com a Venezuela
no passado. E sobre o que - para o bem e para o mal - pode vir a
acontecer no futuro.
Mauro Satayana - É jornalista e meu amigo.