O ministro Mendes Ribeiro (Agricultura) elevou o tom no embate que trava para reverter medidas protecionistas impostas pela Argentina a produtos brasileiros. “Nesse processo, se fizermos igual, se adotarmos aqui o mesmo modelo, eles vão perder bem mais do que nós”, disse, em entrevista ao blog.
“Minha defesa agora vai começar, claramente, a mostrar que a qualidade está acima de tudo”, afirmou o ministro, referindo-se ao controle sanitário a que são submetidos os produtos que entram no Brasil pelos portos, aeroportos e postos de fronteira.
Perguntou-se a Mendes Ribeiro se o endurecimento sanitário é mera cogitação ou será efetivamente adotado. E ele: “Já estamos tendo problemas. Foi bloqueada a entrada da pera e da maçã procedentes da Argentina. Detectou-se algum problema que a defesa sanitária considerou que merecia um exame mais profundo.”
Segundo o ministro, autoridades do governo argentino o procuraram para pedir que “tivesse o maior cuidado possível” com o bloqueio das frutas. “Eu respondi que não estou fazendo por birra, mas porque realmente a defesa constatou problemas. A questão foi levantada na delegacia [do ministério] no Rio Grande do Sul.”
É resultado da nova política?, indagou o repórter. Mendes Ribeiro respondeu na linguagem do futebol: “Numa situação em que o jogo endurece, a tendência do zagueiro é entrar mais firme nas jogadas. Chega com mais garra, com mais determinação, com vontade de ganhar o jogo.”
De acordo com Mendes Ribeiro, o controle da entrada de produtos estrangeiros no Brasil tornou-se mais eficaz. A estrutura de fiscalização foi regionalizada. O time da Agricultura passou a atuar em parceria com os governos estaduais. O ministro diz que o modelo foi testado com êxito na ofensiva contra entrada no Brasil de gado infectado com febre aftosa no Paraguai. “Agora, trancou-se a pera e a mação da Argentina.”
As restrições do governo de Cristina Kirchner aos produtos brasileiros tornou-se mais explícita em fevereiro, quando a Argentina suspendeu a concessão de licenças automáticas para importações. “Nossos produtos estão retidos na fronteira. O importador argentino compra e, na hora de entrar, é barrado”, queixa-se o ministro.
A situação é especialmente delicada na suinocultura. O Brasil exportava para a Argentina uma média mensal de 3,5 mil toneladas de carne suína. Submetidas ao surto protecionista do vizinho, as vendas caíram para cerca de 500 toneladas por mês. Incomodado, Mendes Ribeiro voou para Buenos Aires em 16 de março.
Encontrou-se com o ministro da Agricultura argentino, Norberto Yauhar. “Eu disse a ele que ninguém escolhe vizinho. Nós não escolhermos, mas somos. É melhor que a gente conviva em harmonia.” Um dos acordos celebrados nesse encontro, previa que a Argentina liberaria uma cota mínima de importação de 3 mil toneladas mensais de carne suína brasileira. A coisa vigoraria já no mês de março.
“O ministro me deu garantias”, recorda Mendes Ribeiro. “Ele foi para a imprensa dizer que tinha feito um acerto comigo. Depois, mudou tudo. O Moreno atravessou a conversa”. O Moreno a que se refere o ministro é Guillermo Moreno, secretário de Comércio Interior da Argentina. Suborna-se ao ministro argentino da Economia, Hernán Lorenzino, a quem se atribui a política protecionista que infelicita os exportadores brasileiros.
“Encontrei de novo com o ministro Norberto Yauhar na Bolívia [em 17 de abril, numa reunião do Conselho Agropecuário do Sul]”, conta Mendes Ribeiro. “Ele me garantiu que o nosso acordo estava valendo. Agora, eu soube que o secretário [Guillhermo] Moreno fez uma reunião com importadores. Parece que está liberando a importação de 2,8 mil toneladas de suínos do Brasil.”
Parece ou já liberou? “A notícia que temos é que ele chamou os importadores e parece que liberou essas 2,8 mil toneladas”, o ministro repetiu. “Torço para que o rompante tenha passado.”
Manuseando um documento que anotava o balanço das “licenças de importação” da Argentina referentes à sua área, Mendes Ribeiro disse que há um “saldo pendente” de US$ 8,5 milhões. “É isso que eu estou atrás.”
A política de nariz torcido da Argentina não afeta apenas a agropecuária brasileira. Na quarta-feira (2), o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, divulgou um dado que dá ideia da proporção que a encrenca assumiu: no mês de abril, as exportações do Brasil para o seu vizinho mais ilustre despencaram 27,1% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Mendes Ribeiro explicou que, a despeito da queda, a balança comercial entre os dois países continua sendo superavitária para o Brasil. Porém, isolando-se a agricultura dos outros setores, “a Argentina leva uma vantagem muito grande”. Nessa conta, disse o ministro, os argentinos amealham superávit de cerca de US$ 3,5 bilhões.
Vem daí a convicção de Mendes Ribeiro de que, numa briga com o Brasil, a Argentina tem pouco a ganhar. Segundo o ministro, chegou-se a mencionar que os argentinos almejavam uma paridade do tipo “um dólar para cá, um dólar para lá”. Como assim? “Diziam para os importadores: vocês só vão receber carne suína do Brasil se tiverem condições de vender para lá um dólar para cada dólar que entrar na Argentina. Essa conta não fecha.”
Por quê? “Se eu agir da mesma maneira, eles terão um prejuízo enorme. Só o trigo que a Argentina vende para o Brasil corresponde a três vezes mais do que todo o comércio que temos daqui para lá.” O ministro insinua que o poder de reação do Brasil não se restringe ao troco sanitário.
Mendes Ribeiro raciocinou alto: grande consumidora da carne suína brasileira, a Rússia “pede ao Brasil que compre trigo russo. Só de pensar, já dá uma confusão danada na Argentina. Temos que ter muita cautela ao tratar desses assuntos. Mas, para mim, parece óbvio que temos que ser mais duros.”
Mendes Ribeiro não lida com a Argentina sozinho. Move-se em articulação com outros dois ministros: Fernando Pimentel (Desenvolvimento) e Antonio Patriota (Relações Exteriores). O titular da Agricultura disse que vai procurar os colegas nos próximos dias para afinar a viola.