Cunha e os ‘espaços’ do PMDB: ‘O que adianta você ter Ministério do Turismo se ele não tem força?’
O deputado Eduardo Cunha, novo líder do PMDB na Câmara, reuniu sua
tropa pela primeira vez nesta terça-feira (5). Saiu do encontro com
delegação da bancada para conduzir uma investida contra a política de
desonerações tributárias de Dilma Rousseff. O partido do vice-presidente
Michel Temer decidiu emendar todas as medidas provisórias que o
Planalto enviar ao Congresso sobre a matéria.
Com suas emendas, o PMDB tentará impedir que a redução de alíquotas
de tributos como IPI e Imposto de Renda incida sobre os valores que a
União é obrigada a repassar a Estados e municípios. “O governo terá que
tirar a desoneração da parte do tributo que cabe a ele, não da parcela
que cabe aos governos estaduais e às prefeituras”, afimou Cunha em
entrevista concedida ao blog na noite passada.
O deputado disse isso 24 horas depois de Dilma ter enviado ao
Legislativo a mensagem que esmiúça os planos do governo para 2013. Na
peça, a presidente anota que aprofundará a estratégia das desonerações,
“em parceria com o Congresso Nacional e com os Estados e municípios.” E
Cunha: “Se o governo quer fazer política econômica desonerando, ele
pode, deve e tem que fazer. Mas terá que calibrar a desoneração ao
tamanho da capacidade da União de perder receita.”
Acomodado na liderança contra a vontade de Dilma e sob resistências
da cúpula do PMDB, Cunha apresenta-se como um líder dotado de “muito
mais autonomia para exercer a função.” Segundo diz, não deve satisfações
senão à bancada que o elegeu. Informa que seus liderados exigem ser
tratados “com mais respeito.” E não se sentem obrigados a “bater palmas
para tudo o que vem do Planalto”.
Cunha conta que os deputados do PMDB vinham represando suas
insatisfações para não prejudicar a campanha do ex-líder Henrique
Eduardo Alves à presidência da Câmara. Superada essa fase, a bancada
“vai querer que suas posições sejam ouvidas”. Vai abaixo a entrevista.
— O governo tem razões para temer o novo líder do PMDB na Câmara? As pessoas vão se surpreender com a minha atuação.
— Por quê? O líder de bancada expressa única e exclusivamente o que a maioria da bancada pensa. Não pode ser diferente.
— O que pensa a maioria da bancada do PMDB sobre o governo?
Mudou o processo. Estávamos numa fase de candidatura do Henrique
[Eduardo Alves à presidência da Câmara]. E atuávamos em função dessa
candidatura. Muitas vezes fazíamos coisas que a bancada não queria.
Tivemos de ceder em função de um projeto maior: a eleição do Henrique.
Agora, nesse novo momento, a bancada terá um posicionamento
diferenciado. Vai querer que suas posições sejam ouvidas.
— Estamos falando de cargos? Não estou falando de cargos nem de emendas.
— Fala de quê? Estou falando de postura. Um
líder que está começando, saído de uma eleição disputada, não tem
margem para fazer o que bem entende, contra a bancada. Um líder só pode
se sustentar a partir da construção de posições conjuntas com sua
bancada.
— Posições eventualmente contrárias aos interesses do governo serão da bancada, não do líder, é isso? É
exatamente isso. Quando eu falar, serei porta-voz da bancada. Hoje
mesmo, houve uma reunião dos partidos para discutir a votação do
Orçamento da União e dos vetos –entre eles o dos royalties. Eu designei o
primeiro vice-líder, Marcelo Castro, que é o maior lutador dos
royalties na nossa bancada.
— Soube que, na reunião, ele concordou com a tese da
oposição, que condiciona a aprovação do Orçamento à apreciação prévia
dos vetos. Pois é. Mas eu tinha que fazer isso. Porque é
essa a posição da maioria da bancada. Eu não podia ir lá e impor uma
posição contrária aos interesses da bancada. Sou do Rio de Janeiro. Todo
mundo sabe o que penso sobre os royalties. Se expresso minha opinião,
amanhã tem uma crise e a bancada me desautoriza. Portanto, jamais haverá
de minha parte uma manifestação que não corresponda ao pensamento da
maioria da bancada.
— Consumada a eleição de Henrique Alves, acha que a bancada está livre para divergir do governo? A bancada agora se sente liberada. Vai querer que as suas posições, que seus verdadeiros pensamentos sejam expressados.
— O pensamento médio da bancada está muito distante dos interesses do governo?
O pensamento majoritário da bancada é o de apoio ao governo. Mas a
maioria da bancada também acha que o PMDB precisa ser tratado com mais
respeito.
— O que significa mais respeito?
De novo, não estamos falando de cargos e emendas. Vou dar um exemplo:
no governo Lula, quando tinha alguma medida importante para ser enviada
ao Congresso, ele fazia reuniões do conselho político e debatia,
mostrava o que ia fazer.
— Com Dilma é diferente? No começo do
governo da presidenta Dilma era assim. Mas depois essa prática foi
encerrada. O governo não pode querer concordância absoluta de todos e
que a gente bata palmas para tudo que vem do Palácio do Planalto. Haverá
contestações.
— Antevê alguma? Tirei hoje uma posição da
bancada sobre as desonerações tributárias. Todas as que vierem para a
Câmara receberão sempre uma emenda do PMDB.
— Emenda sobre o quê? Essas desonerações
não podem impactar as parcelas do FPE [Fundo de Participação dos
Estados] e do FPM [Fundo de Particiação dos Municípios]. Queremos que o
impacto fique restrito à parcela da União.
— Como será feito? As desonerações chegam
por medida provisória. E nós vamos fazer sempre uma emenda dizendo que a
redução de alíquota de IPI não incidirá para efeito de redução dos
repasses para Estados e municípios. O governo terá que tirar a
desoneração da parte do tributo que cabe a ele, não da parcela que cabe
aos governos estaduais e às prefeituras.
— Isso passa no plenário? Mesmo que o PMDB
seja minoritário, mesmo que perca, é uma questão de posição política. O
PMDB é um partido municipalista. Os municípios estão passando
necessidades. Os Estados que dependem do FPE também. Então, nós não
podemos deixar de ir contra uma posição que afeta os nossos governadores
e os nossos prefeitos. Se o governo quer fazer política econômica
desonerando, ele pode, deve e tem que fazer. Mas terá que calibrar a
desoneração ao tamanho da capacidade da União de perder receita.
— O sr. diz que o partido não está preocupado com cargos.
Mas pelo menos a bancada de Minas Gerais tem pretensões ministeriais,
não? Isso é uma coisa política, não é questão de pretensão.
— Como assim?
É preciso recordar que, na eleição passada, a presidenta Dilma teve, em
Minas Gerais, uma vantagem de 2 milhões de votos no segundo turno. Qual
você acha que vai ser o resultado se o Aécio for candidato? Ela vai
perder. O Aécio vai ganhar em Minas. Pode perder no país, mas em Minas
ele ganha. Então, é preciso tratar Minas Gerais de maneira diferente. O
Estado será sensível a alguém que foi governador por oito anos [Aécio] e
deixou um governador no lugar dele [Antonio Anastasia], que é bem
avaliado. O mineiro é bairrista. Se a presidenta Dilma, que é mineira de
nascimento, não entrar nesse espírito, não basta chegar lá e dizer que é
mineira para ter votos dos mineiros. Falamos para o bem dela. Como é
que os deputados sobreviverão em Minas pedindo votos contra quem vai
teoricamente unir Minas? É difícil. Então, é um problema político, não
um problema de cargo.
— Pelo que se sabe a bancada deseja o Ministério dos Transportes. E não parece haver disposição da presidente de atender. E aí? A
bancada não me trouxe ainda essa reivindicação. Mas creio que temos um
problema político. E esse problema político precisa ser analisado. Quem
quer disputar eleição precisa analisar. Estamos falando de política
nesse momento.
— A resolução do problema político passa por uma composição ministerial?
Não sei te dizer. Insisto: temos um problema político que precisa ser
tratado. Como ele vai ser tratado, caberá à presidenta decidir. Ela pode
pensar como nós e verificar que há o problema. Se ela não entender
assim, provavelmente nada fará.
— Essa queixa se restringe a Minas? Existe
uma queixa generalizada. Mas o problema de Minas Gerais é agravado. Há
outro aspecto: os espaços que o PMDB detém são de certa forma pouco
produtivos para efeitos políticos. São preenchidos de forma muito
parcial. Quando preenchidos, têm poder político zero. O que adianta você
ter o Ministério do Turismo se ele não tem força? Tem que fortalecer as
posições que o PMDB detém.
— O que significa preenchimento parcial? Os ministérios são compartilhados com outros partidos? São compartilhados até com a própria tecnocracia que é colocada lá.
— O sr. fala que os ministérios do PMDB geram poucos
‘efeitos políticos’. Não lhe parece que essas composições ministeriais
geram prejuízos políticos? Veja bem, não estou discutindo
ministérios. Até porque isso não está sendo colocado. Mas não se pode
dizer que isso só é contraproducente para o partido ‘A’ e não é para o
partido ‘B’. O PT tem sua posição clara, bem atendida, bem contemplada.
— Há diferença de tratamento? A diferença é
muito clara. Embora os parlamentares do PT também reclamem, os outros
partidos da base de apoio ao governo sentem a diferença. É preciso que
haja um equilíbrio. Somos todos parceiros. Volto a afirmar: a pretensão
da bancada é a de buscar a parceria e o alinhamento. A disposição não é
beligerante. Mas nós precisamos ter uma visão política desse processo.
Quem vai ser candidata à reeleição deve saber: quem vai pedir votos são
as bases dos parlamentares. E as bases dos parlamentares têm que estar
satisfeitas. Não posso ter o meu cabo eleitoral de cara feia pra mim.
— A bancada do PMDB está convencida de que a reedição da chapa Dilma-Michel Temer em 2014 é o melhor caminho? Hoje em dia a posição é essa: repetir a chapa com Michel Temer. Não vejo outro tipo de conversa no momento.
— Acha que Dilma pode ter dificuldades para se contrapor a Aécio Neves e Eduardo Campos?
Não tenho dúvida de que essas duas candidaturas, a do Aécio e a do
Eduardo, devem existir. E não há eleição fácil. A gente vem de um
processo eleitoral em que o presidente Lula estava no ápice de sua
popularidade e a eleição foi para o segundo turno. Então, é claro que
podemos ter uma eleição mais difícil. É preciso ter cautela. Quem tem
experiência política sabe que não se brinca com eleição.
— O que significa não brincar com a eleição? Estamos
a 15 meses do começo do processo eleitoral. Quando digo que é preciso
tratar com mais respeito o PMDB é disso que estou falando.
— De onde vem a propalada aversão de Dilma à sua figura? Se ela tem aversão, a mim nunca foi manifestada.
— Nem por intermédio de terceiros? Duas
pessoas me informaram que foram conversar com ela a respeito dessa
suposta restrição à possibilidade de eu me tornar líder. Um foi o
próprio vice-presidente Michel Temer. O outro foi o governador do Rio de
Janeiro, Sérgio Cabral. A ambos ela negou isso.
— Acha que a antipatia pode ter origem naquele episódio de 2007, envolvendo Furnas e CPMF? Vamos
deixar isso claro. Participei da indicação e nomeação do senhor Luiz
Paulo Conde para a presidência de Furnas, cargo federal do Rio. Quem era
o Conde? Ninguém menos que o ex-prefeito da cidade do Rio,
ex-vice-governador do Rio. Estava como secretário de Estado do governo
Sérgio Cabral. Era um processo político do PMDB do Rio, apoiado pelo
próprio Sérgio Cabral. Não era indicação do Eduardo Cunha, era do
partido no Rio. Só que eu estava no embate.
— O embate envolveu a CPMF? Eu era relator
de admissibilidade da proposta da CPMF na Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara. Eu já tinha feito o parecer. A votação não foi feita
porque o DEM estava obstruindo na comissão. Um dia, enterrei um sobrinho
no Rio e vim a Brasília para uma suposta sessão, que não ocorreu. Saí
do enterro, peguei um avião, e vim para votar. Era uma quinta-feira. Não
foi o Eduardo Cunha que atrasou a votação da CPMF. Foi a obstrução do
DEM que impediu a votação. O governo não se mobilizou. Aí entrou o
recesso no meio. Tenho testemunho do ministro José Múcio [hoje no TCU],
que era líder do governo na época, e do ex-ministro Antonio Palocci.
Fiquei com essa fama injusta.
— Com a saída de Luiz Paulo Conde de Furnas, o sr. indicou o substituto, não? O
Conde ficou doente. Até hoje ele está em dificuldade. Ainda tentou, por
seis meses, exercer as funções. Mas o ministro Edison Lobão [Minas e
energia], com toda razão, disse que Furnas é uma empresa relevante e tem
que ser dirigida em sua plenitude. Apresentou um técnico da empresa
[Caros Nadalutti Filho] e pediu que nós avalizássemos a substituição. E
nós avaliazamos.
— Pouco depois de assumir a Presidência, Dilma trocou o comando de Furnas. Por quê? O
Jorge Bittar [do PT do Rio] fez intriga. O técnico escolhido era um
superintendente de operações com mais de 30 anos de casa. Antes de virar
presidente, era subordinado a um diretor ligado ao Bittar. Então, virou
um problema. Ele se sentiu preterido por alguém que estava abaixo dele.
Aí criaram toda a confusão. Depois disso, houve uma série de apagões
causados por Furnas. Se esses apagões tivessem ocorrido no período que
estava com a gente, queria ver se iriam dizer que era culpa nossa.
— A Procuradoria da República patrocina dois processos contra o sr. no STF. Não o preocupam? Tenho
dois inquéritos no Supremo. Não sou réu em nenhum deles. Num, há uma
denúncia apresentada que não será aceita. O voto do relator é pela
rejeição, só não foi votado no pleno. Noutro, sequer há denúncia. Pelo
que meu advogado informou, vai retornar ao primeiro grau porque não há
nada em relação a mim. Estou absolutamente tranquilo.
— É fato que Michel Temer e Henrique Alves se distanciaram de sua campanha para a liderança do PMDB? Num
primeiro momento, senti que houve um apoio do Henrique ao Sandro Mabel.
Num segundo momento, acho que ele evoluiu para a neutralidade. Num
terceiro momento, pelo que leio, foi o Renan que apoiou o Mabel. Devo
dizer que houve também um distanciamento meu em relação a eles.
— O sr. era tão ligado a Temer e Henrique. Por que tomou distância? Esse processo todo, por incrível que pareça, acabou sendo positivo pra mim.
— Por quê? Me permitiu construir a
liderança a partir do debate direto com a bancada. Entrei em contato com
pessoas que eram até afastadas de mim. Então, eu me tornei líder num
processo que me deu muito mais autonomia para exercer a função.
— Não deve nada às estrelas do partido? Devo a minha eleição à bancada que me elegeu. É a ela que tenho que seguir.
— Sandro Mabel, seu contendor, pediu no STF a anulação da
eleição de líder. Fala sozinho ou a insatisfação é compartilhada pelos
36 deputados que votaram nele? Mabel havia disputado a
presidência da Câmara contra o Marco Maia, contra o nosso projeto.
Perdeu. Brigou na Justiça com o PR e foi expulso do partido. Nós o
acolhemos. Fui das primeiras pessoas a recepcioná-lo. Tínhamos uma
relação pessoal muito boa. Nos últimos dez dias, quando ele viu que a
eleição estava perdida, partiu para outro caminho. Eu reagi às
agressões. Ele perdeu. E está tendo uma atitude infantil. Li a petição
dele. É ridícula. Não há fundamento jurídico nem político. Ele questiona
dois votos que não teriam alterado o resultado. Além disso, para se
tornar líder na Câmara, você precisa de uma lista de apoiamentos com as
assinaturas de metade mais um da bancada. Nesta segunda-feira,
protocolamos a lista com quase toda a bancada. Para me retirar da
liderança hoje, não tem que fazer nova eleição. Tem que ter metade mais
um das assinaturas. Fiz reunião de bancada nesta terça. É um tipo de
encontro que nunca atrai todo mundo. Mas, dos 80 deputados do PMSB,
apareceram uns 60. Se isso não é representativo, não sei o que é
representatividade. A unanimidade, dizia Nelson Rodrigues, é burra.
Tá no josias