por Dorrit Harazim
Dorrit Harazim, O Globo
A ex-estagiária tinha 22 anos. Hoje, como mulher ainda atraente de 40 anos, faz um resumo de sua existência pós-escândalo
O
artigo de Monica Lewinsky na edição de maio da revista “Vanity Fair"
começa com uma pergunta que lhe foi gritada da rua, em 2001, por
desconhecidos: “Qual a sensação de ser a primeira rainha do sexo oral
dos Estados Unidos?”
A provocação partira do grupo que acompanhava
a filmagem de um documentário sobre o affair da ex-estagiária da Casa
Branca com o então presidente Bill Clinton, ocorrido três anos antes.
O
relato de Monica retoma o episódio que quase levou Clinton a ser
defenestrado do cargo e mergulhou o país todo num debate sem precedentes
sobre sexo, poder e sexismo.
A ex-estagiária Monica Lewinsky e Bill Clinton, ex-presidente dos EUA. Foto: AFP
No
texto que flui com elegância, ela evita os aspectos mais salazes do seu
tóxico relacionamento de 18 meses com Clinton, pontuado de sexo oral na
antessala do Salão Oval da Casa Branca.
A ex-estagiária tinha 22
anos. Hoje, como mulher ainda atraente de 40 anos, faz um resumo de sua
existência pós-escândalo e evoca a frustração de ter tido a vida
reduzida a uma caricatura sexual: a de predadora vestida de fio-dental.
Monica traça agudas observações tanto sobre a guarda pretoriana do
presidente, que a cobriu de invencionices para defender o chefe, como
sobre os adversários políticos de Clinton, que a usaram como peão.
A
questão que mais intriga Monica até hoje, no entanto, é a postura das
feministas de 1998 diante do estrondoso caso que abalou a América. Quase
que em bloco, as militantes da época evisceraram a jovem para proteger
um presidente que sempre se mostrara comprometido com políticas públicas
progressistas em relação à condição feminina.
De fato, como primeiro presidente democrata após o reinado
republicano de Ronald Reagan e George H. W. Bush (senior), Bill Clinton
era um alento. Defendia o direito ao aborto e assinou o inovador
Family Medical Leave Act, que previa licença de três meses para a mulher trabalhadora que precisasse cuidar da saúde de familiares.
Uma mesa-redonda promovida à época pelo jornal
"New York Observer"
com nove debatedoras, a maioria com credenciais de militância, revela a
defesa canina que faziam do presidente e o veneno destilado contra a
estagiária.
Erica Jong, autora do aclamado “
Medo de voar”,
deve ter se achado espirituosa ao dizer que seu dentista de higiene
bucal observara uma gengivite de terceiro grau em Monica; a escritora
Nancy Friday, conhecida por abordar temas de sexualidade feminina e
liberação em sua literatura erótica, sugeriu que Monica poderia alugar a
boca como próximo emprego; Susan Faludi, autora de “
Backlash”; Susan Estrich, a estrategista democrata; e a pioneira Gloria Steinem foram apenas mais moderadas.
Até
mesmo a experimentada Madeleine Albright, primeira mulher da história
americana a ocupar o cargo de secretária de Estado, e Donna Shalala,
conceituada ministra da Saúde e de Serviços Humanos de Clinton, serviram
de escudo feminino ao presidente.
Também para a imprensa da
época, Monica Lewinsky foi alvo fácil. A cobertura do escândalo feita
por Maureen Dowd, a colunista-estrela do
New York Times, acabou
rendendo à jornalista o Prêmio Pulitzer de 1999. É possível, porém, que
a premiada sinta menos vontade, hoje, de reler alguns dos textos
publicados.
Eram viperinos. “Uma estagiária predadora e avoada”,
“uma garota gordinha demais para fazer parte de qualquer turma de
colégio”, diziam suas primeiras colunas. Quando a jovem precisou
submeter uma amostra de sua caligrafia ao FBI, Maureen Dowd publicou uma
sátira imaginária do que a estagiária escrevera: “Monica Clinton.
Monica Lewinsky Clinton. Monica Lewinsky Rodham Clinton. First Lady
Monica. Cardápio do MEU jantar de gala na Casa Branca: espaguete à
carbonara. Tiramisu. Composição das mesas: eu entre Leonardo di Caprio
& John Travolta...”
A cada mês, o tom da colunista ficava mais
ácido. Acabou comparando a roliça morena ao personagem obsessivo e
homicida interpretado por Glenn Glose no filme “Atração fatal”.
O
presidente, por seu lado, jamais demonstrou pânico durante a longa
tempestade que ocupou as manchetes por um ano inteiro — da exposição da
relação fatal, em janeiro de 1998, à votação no Senado que o salvou do
impeachment, em fevereiro de 1999.
Clinton
foi sedutor e cabotino até o final. Quando obrigado pelas
circunstâncias a admitir a relação com Monica, descaracterizou o
envolvimento de 18 meses como mera forma de aliviar as tensões do cargo.
A primeira versão de seu
mea culpa,
redigida pelo assessor Bob Shrum, incluía um pedido de desculpas também
a “Monica Lewinsky e sua família”. Da versão final revisada por Hillary
Clinton, contudo, constaram apenas a mulher e a filha, “as duas pessoas
que mais amo”. Monica foi citada como “aquela mulher”. E Clinton
definiu seu papel nos calientes encontros como mero participante
passivo.
A estagiária, enquanto isso, cometia perjúrio mentindo ao
FBI para proteger o homem do qual se enamorara e com o qual imaginava
viver um romance único. Foi mantida sem acesso a advogado por
investigadores inescrupulosos para forçá-la a cair em armadilhas contra o
presidente.
Um dos principais analistas políticos da época, Peter
Baker, previra que, quando Clinton morresse, a libidinagem na Casa
Branca constaria forçosamente do primeiro parágrafo do obituário
presidencial. Hoje sabe-se que o caso constará só lá pelo meio. E é bom
que assim seja.
Mas é Monica Lewinsky quem tem a palavra final
sobre a atuação das irmãs feministas no episódio. “Elas não precisavam
ter me humilhado. Ainda respeito muito o movimento e sou grata aos
enormes avanços que ele trouxe para os direitos da mulher”, diz no
artigo. “Mas dada a experiência de ter sido tratada como acepipe em
conversas sobre políticas de gênero prefiro não me identificar como
feminista com F maiúsculo”.
Ofertas de emprego tendem a permanecer
minguadas. Monica foi recentemente considerada “esperta e afável” para
um posto que depende de doações do governo. “Precisaríamos de uma carta
de autorização dos Clinton”, desculpou-se o interlocutor, talvez
pensando nas 25% de chances de Hillary Clinton suceder a Barack Obama em
2016.
Dorrit Harazim é jornalista.