Jatos que mancham
Como inquérito "sob segredo de Justiça", a Operação Lava Jato lembra
melhor uma agência de propaganda. Ou, em tempos da pedante expressão
"crise hídrica", traz a memória saudosa de uma adutora sem seca.
Em princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à opinião
pública ansiosa por um sistema policial/judicial sem as impunidades
tradicionais. Mas, com o jorro contínuo dos tais vazamentos, nos desvãos
do sensacionalismo não cessam os indícios que fazem a "nova Justiça" –a
dos juízes e procuradores/promotores da nova geração– um perigo
equivalente à velha Justiça acusada de discriminação social e
inoperância judicial.
É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada. Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo "Fulano recebeu dinheiro da Odebrecht". Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?
A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava Jato sabe disso?
Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.
A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.
Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da Odebrecht usou a palavra "destruir", referindo-se a um e-mail, em anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu advogado, e cuja entrega "pediu a um policial" que, no entanto, ao ver a palavra "destruir", levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.
Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu defensor.
Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?
As partes da historinha não convivem bem. Não só entre si. Também com a vedação à interferência na comunicação entre um acusado e seu defensor, considerada cerceamento do pleno direito de defesa assegurado pela Constituição.
Já objeto de providências da OAB, a apreensão de material dos advogados de uma empreiteira, em suas salas na empresa, foi uma transgressão à inviolabilidade legal da advocacia. Com esta explicação da Lava Jato: só os documentos referentes ao tema da Lava Jato seriam recolhidos, mas, dada a dificuldade de selecioná-los na própria empresa, entre 25 mil documentos, foram apreendidos todos para coleta dos desejados e posterior devolução dos demais.
Pior que uma, duas violações: a apreensão de documentos invioláveis, porque seus detentores não são suspeitos de ilicitude, e o exame violador de todos para identificar os desejados. Até documentos secretos de natureza militar, referentes a trabalhos e negócios da Odebrecht na área, podem estar vulneráveis.
Exemplos assim se sucedem. Em descompasso com uma banalidade: condenar alguém em nome da legalidade e da ética pede, no mínimo, permanentes legalidade e ética. Na "nova Justiça" como reclamado da "velha Justiça".
Transcrito da Folha de Sâo Paulo.
É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada. Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo "Fulano recebeu dinheiro da Odebrecht". Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?
A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava Jato sabe disso?
Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.
A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.
Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da Odebrecht usou a palavra "destruir", referindo-se a um e-mail, em anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu advogado, e cuja entrega "pediu a um policial" que, no entanto, ao ver a palavra "destruir", levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.
Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu defensor.
Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?
As partes da historinha não convivem bem. Não só entre si. Também com a vedação à interferência na comunicação entre um acusado e seu defensor, considerada cerceamento do pleno direito de defesa assegurado pela Constituição.
Já objeto de providências da OAB, a apreensão de material dos advogados de uma empreiteira, em suas salas na empresa, foi uma transgressão à inviolabilidade legal da advocacia. Com esta explicação da Lava Jato: só os documentos referentes ao tema da Lava Jato seriam recolhidos, mas, dada a dificuldade de selecioná-los na própria empresa, entre 25 mil documentos, foram apreendidos todos para coleta dos desejados e posterior devolução dos demais.
Pior que uma, duas violações: a apreensão de documentos invioláveis, porque seus detentores não são suspeitos de ilicitude, e o exame violador de todos para identificar os desejados. Até documentos secretos de natureza militar, referentes a trabalhos e negócios da Odebrecht na área, podem estar vulneráveis.
Exemplos assim se sucedem. Em descompasso com uma banalidade: condenar alguém em nome da legalidade e da ética pede, no mínimo, permanentes legalidade e ética. Na "nova Justiça" como reclamado da "velha Justiça".
Transcrito da Folha de Sâo Paulo.