O objetivo foi discutir as ações que pedem o imediato cancelamento
das concessões de emissoras de rádio e TV nas mãos de políticos, como as
ações civis públicas que estão sendo movidas no âmbito do Ministério
Público Federal (MPF) nos estados e as ADPFs (Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental)
246 e
379, ambas ajuizadas no
Supremo Tribunal Federal pelo PSOL, que questionam as concessões dadas a políticos.
A roda de diálogos contou com a participação do próprio Intervozes,
representado pela advogada Veridiana Alimonti, que colaborou na
elaboração das ADPFs ajuizadas pelo PSOL, além de Eugênia Augusta
Gonzaga, Procuradora Regional da República em São Paulo, Camila Marques,
advogada coordenadora de projeto na organização Artigo 19, Pedro
Freitas, do Levante Popular da Juventude, e Ricardo Vos, da Executiva
Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, que compõe a campanha
Fora Coronéis da Mídia. A atividade teve apoio da Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES).
A roda de diálogos ocorre no momento em que a proibição de políticos
eleitos serem concessionários de empresas prestadoras de serviço público
volta novamente à crista do debate. Recentemente, Rosa Weber,
ministra do STF, rejeitou o pedido de liminar de
Michel Temer para a suspensão de processos que contestam as concessões de rádios e TVs em nome de senadores e deputados federais.
O Governo federal, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), havia
entrado com a ADPF 429 no STF em 9 de novembro para tentar barrar os
processos judiciais contra políticos, numa tentativa de favorecer um
grupo de 40 parlamentares.
Nesta ADPF consta um pedido de liminar no qual a Presidência
solicitava aos ministros que suspendessem e julgassem inconstitucionais
decisões judiciais que contrariam os interesses dos deputados e
senadores com concessões públicas de rádio e TV, com o falso argumento
de tais decisões fazerem “interpretações equivocadas da Constituição”.
A medida de Temer pretendia conter uma série de vitórias que as
entidades dedicadas à democratização da comunicação estão obtendo nos
estados como, por exemplo, a decisão por meio de liminar que determinou a
interrupção, em agosto passado, das transmissões da Rádio Metropolitana
Santista Ltda (1.240 MHz), de propriedade de Antônio Carlos Bulhões
(PRB-SP), e o cancelamento de concessões de emissoras de rádio dos
deputados federais Baleia Rossi (PMDB-SP) e Beto Mansur (PRB-SP).
As decisões foram tomadas após ações do Ministério Público Federal.
Ações similares contra parlamentares tramitam também em outros estados.
A decisão de Rosa Weber garante a continuidade destes processos nos
estados. No entanto, vale lembrar que a pauta, incluindo as ADPFs 246 e
379 e agora a 429, que se encontram em análise no Supremo, estão sob
relatoria do ministro Gilmar Mendes, que pode, portanto, alterar a
decisão da ministra.
Concessão a políticos é inconstitucional
As arguições ajuizadas no STF estão fundamentadas sobre o fato de que
a Constituição é descumprida quando atos do Executivo permitem que
políticos com mandato eletivo sejam beneficiados com a outorga de
concessões de emissoras de rádio e de canais de televisão. A ADPF 246
foi protocolada em dezembro de 2011, enquanto que a ADPF 379, em
dezembro de 2015. E ambas contam com parecer favorável da
Procuradoria-Geral da República.
Segundo Bráulio Araújo, membro do Intervozes e advogado que elaborou as ADPFs pelo
PSOL,
a “jurisprudência vem avançando de forma sólida no sentido de
reconhecer a inconstitucionalidade da participação de políticos
titulares de mandato eletivo como sócios de empresas de radiodifusão.”
Araújo menciona em uma das petições que, em julgamento da Ação Penal
530, em novembro de 2014, o STF já afirmava que os artigos 54, inciso I,
alínea “a”, e 54, II, “a”, da Constituição Federal, proíbem claramente
que deputados e senadores sejam sócios de pessoas jurídicas com
titularidade sobre concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.
Além disso, em julgamento de agravo de instrumento publicado em
outubro deste ano, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região
(São Paulo) confirmou a liminar deferida pelo desembargador Johonsom di
Salvo em março de 2016, suspendendo a execução dos serviços de
radiodifusão prestados por empresas que possuem congressistas em seu
quadro de sócios. Isso justamente em razão da violação ao artigo 54 da
Constituição.
Por mais absurdo que isso seja, é justamente esse o artigo citado
pelo atual governo na peça, assinada por Temer, pela advogada-geral da
União, Grace Mendonça, e pela secretária-geral de Contencioso, Isadora
Cartaxo de Arruda. Sustenta a Presidência que as decisões judiciais
contrárias à concessão de rádios e TVs para políticos conferem
“interpretação incorreta à regra de impedimento constante do artigo 54”
da Constituição Federal e “ofendem os preceitos fundamentais da proteção
da dignidade da pessoa, da livre iniciativa, da autonomia da vontade,
da liberdade de associação e da liberdade de expressão”.
Para o PSOL e entidades como o Intervozes e Artigo 19, o artigo 54 é
claro em impedir a concessão ou a renovação de concessões de rádio e TV a
empresas que tenham deputados e senadores como sócios,
independentemente da retórica usada pela Presidência em sua peça
judicial em defesa dos parlamentares.
Além disso, a ação de Temer ignora a primeira linha do artigo 55 da
Constituição,
que diz claramente: “Perderá o mandato o deputado ou senador que
infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior”,
além de partir do princípio de que as liberdades individuais estão acima
dos limites impostos pela lei, quando se sabe que não estão. Ou seja,
quem afronta a Constituição é Temer e a AGU ao tentarem manter
privilégios ilegais de parlamentares.
Ministra não vê divergência em decisões
Ao rejeitar o pedido de liminar, a ministra do STF Rosa Weber afirmou
que não se faziam presentes na hipótese manifestada por Temer e AGU as
circunstâncias excepcionais justificadoras da suspensão do andamento dos
processos judiciais – o que era a pretensão dos autores. “As decisões
judiciais trazidas aos autos juntamente com a exordial, a fim de
demonstrar a alegada controvérsia constitucional, não evidenciam a
existência de divergência interpretativa apta a ensejar uma suspensão
geral dos processos”, ressaltou a ministra em sua decisão.
Influência indevida de políticos
Por sua vez, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em
manifestação expressada em agosto deste ano, apoiou a iniciativa das
ADPFs 246 e 379, considerando que a participação de parlamentares em
empresas de radiodifusão “confere a políticos poder de influência
indevida sobre importantes funções da imprensa, relativas à divulgação
de informações ao eleitorado e à fiscalização de atos do poder público”.
Mérito da ação ainda será julgado
O mérito da questão ainda vai a julgamento no plenário do STF, sem
data prevista no momento. Até lá, Rosa Weber terá de elaborar seu voto
sobre a constitucionalidade ou não das concessões públicas que
beneficiam parlamentares. Ao indeferir a liminar pedida por Temer, a
ministra também pediu mais informações à Câmara dos Deputados, ao Senado
Federal, ao Tribunal Superior Eleitoral (
TSE),
ao Ministério das Comunicações, à própria AGU e à Procuradoria-Geral da
República. Por outro lado, caberá a Gilmar Mendes apresentar voto a
respeito das ADPFs 246 e 379.
De acordo com
levantamento do Intervozes,
40 parlamentares, sendo 32 deputados federais e oito senadores, atuam
como donos de concessões de emissoras de rádio e TV no país e podem ser
beneficiados pela iniciativa de Temer.
Entre eles, estão os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), Agripino Maia
(DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA) e os
ministros José Sarney Filho (Meio Ambiente) e Ricardo Barros (Saúde) –
os dois últimos são deputados federais licenciados. Alguns parlamentares
alegam que não têm mais participações em empresas de radiodifusão,
porém continuam aparecendo nos respectivos quadros societários.
“A situação chegou a esse ponto por omissão do Poder Executivo nas
últimas décadas. Questionamos essa omissão sistematicamente. Nosso
objetivo [no Ministério Público] era provocar a manifestação do Supremo.
O governo tenta agora justificar a omissão com essa ADPF”, afirmou em
entrevista para o UOL publicada na semana passada, o procurador da
República Jefferson Aparecido Dias, que atua na Procuradoria Regional
dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo e participa do Fórum
Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac).
No entendimento de Dias, parlamentar que atua como dono de concessão
não pode vender sua parte nem transferi-la a um familiar. Deve
devolvê-la ao poder público.
Texto produzido a partir da reportagem “Temer tenta barrar ações
contra concessões de políticos e tem pedido negado no STF” da repórter
Ramênia Vieira, do Observatório do Direito a Comunicação.